sábado, 3 de outubro de 2009
CINZAS, de Adélia Prado
No dia do meu casamento eu fiquei muito aflita.
Tomamos cerveja quente com empadas de capa grossa.
Tive filhos com dores.
Ontem, imprecisamente às nove e meia da noite,
eu tirava da bolsa um quilo de feijão.
Não luto mais daquele modo histérico,
entendi que tudo é pó que sobre tudo pousa e recobre
e a seu modo pacifica.
As laranjas freudianamente me remetem a uma fatia de sonho.
Meu apetite se aguça, estalo as juntas de boa impaciência.
Quem somos nós entre o laxante e o sonífero?
Haverá sempre uma nesga de poeira sob as camas,
um copo mal lavado. Mas que importa?
Que importam as cinzas,
se há convertidos em sua matéria ingrata,
até olhos que sobre mim estremeceram de amor?
Este vale é de lágrimas.
Se disser de outra forma, mentirei.
Hoje parece maio, um dia esplêndido,
os que vamos morrer iremos aos mercados.
O que há neste exílio que nos move?
Digam-no os legumes sobraçados
e esta elegia.
O que escrevi, escrevi
porque estava alegre.
(O Coração Disparado)
(Ilusstração: Frida Khalo)
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Escrever é um testemunho da alegria.
ResponderExcluirA vida vale a pena quando abrimos os olhos
para o mundo e vemos, por baixo do pano, Deus.
De dentro do caramujo a lesma bebe o sol.
Tentei fazer um poema à Adélia Prado, para lhe oferecer, mas saiu um ao meu jeito mesmo: receba-o.
Abraços.