sábado, 10 de outubro de 2009

CAFEZAL EM FLOR, de Paula Caruso e Graziela Rodrigues







Foi o tempo mais feliz da vida de Zica aquele ano depois da Festa de Santo Antônio. Ela e Zé namoraram e noivaram. Os dois não se largavam. Iam a todas as festas das redondezas. O violeiro e a dançarina se tornaram conhecidos como casal pé-de-valsa. Onde uma sanfona tocava, lá estavam eles.

O casamento já tinha até data marcada, na próxima florada do café que, no sul das Gerais, começa geralmente em setembro.

E, então, chegou o grande dia. Depois de semanas de preparação, lá estava a noiva, em sua carroça nupcial enfeitada com um arco de rosas. Branca e linda
flor do cafezal, coberta por um imenso véu, já toda aflita, esperando o tio que a levaria ao altar da Capelinha de Santo Antônio.

De repente, um compadre de seu pai, seu Emerenciano, apareceu ofegante: “Fia, tenho uma má notícia... O seu noivo... Ele... acabou de abotoá o paletó”! Ela duvidou de suas palavras: “O que é o sinhô tá me dizendo? Que o meu noivo morreu? Ara, só acredito vendo”!

E saiu desembestada na sua carroça, até a casa do Zé. No meio da sala, velavam seu corpo. E Zica correu ao seu encontro e se debruçou sobre o seu caixão e chorou “inté suas lágrima secá”. Só com muita insistência, os tios conseguiram retirá-la dali e levá-la embora.

Zica, ainda vestida de noiva, trancou-se no quarto e, durante três dias e três noites, bebeu só água e ficou em silêncio. Os tios não sabiam mais o que fazer. Na quarta noite, um momento de raiva e de dor: rasgou com seu punhal de roceira os véus e o vestido de noiva. Depois, colocou o vestido de festa, o de chita, aquele que ficava guardado atrás da porta para ocasiões especiais. Pôs uma flor carmim nos cabelos e os brincos dourados. Saiu “pé ante pé” do quarto, para não acordar os padrinhos e foi ao terreiro. Lá, subiu na carroça nupcial, arrancou uma por uma as rosas brancas do arco e, em seu lugar, colocou rosas vermelhas. Deu de beber e de comer ao burro Policarpo que, como a carroça, era herança dos seus pais. Quando terminou, foi acordar os tios. Bel e Dito ficaram muito surpresos com tudo o que viram, a roupa, a flor no cabelo, os brincos, a carroça. Mas, ela lhes disse com firmeza:



Sei que ocês não vão me entendê...

Mas eu vou embora...

Meu coração... Meu corpo tá cortado ao meio que nem um capado!

Mas eu não vou mais chorá!

Não vou morrê de tristeza que nem minha mãe!

Peço a ocês a bênção.Os tios, em lágrimas, não sabiam o que lhe dizer. Como não abençoá-la? Como não deixá-la buscar outros caminhos? Eles a conheciam e sabiam que, enquanto não fizesse o que queria, não sossegava. E então, só lhe falaram: “Fia, vai em paz e que Deus te acompanhe”! 

E Zica subiu na carroça e não olhou para trás. Os tios sabiam, lá no fundo, que nunca mais a veriam. Só anos mais tarde, eles tiveram notícia da “mulher da carroça, que gostava de dançá! Da mulher que dançava melhor que Marungo cortando jaca”!



(A Travessia de Zica – As Danças Populares do Sul de Minas)



(Ilustração: Nerival Rodrigues)


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