quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A VIDA SUBMARINA, de Ana Martins Marques










Eu precisava te dizer.

Tenho quase trinta anos

e uma vida marítima, que não vês,

que não se pode contar.

Começa assim: foi engendrada na espuma,

como uma Vênus ainda sem beleza,

sobre a apele nasciam os corais,

pele de baleia, calcária e dura.

Ou assim: a luz marítima trabalha lentamente,

os peixes começam a consumir por dentro

o sal do desejo,

estão habituados ao sal.

Quando vês, a água inundou os pulmões,

neles crescem algas íntimas,

os olhos voltam-se para dentro,

para o sono infinito do mar.

As mãos se movem num ritmo submerso,

os pensamentos guiam-se pela noite

do Oceano, uma noite maior que a noite.

Tenho quase trinta anos e uma vida antiga

anterior a mim.

Daí meu silêncio, daí meu alheamento,

daí minha recusa da promessa desse dia que você me oferece,

esse dia que é como uma cama

que se oferece ao peixe

(você não haveria de querer

um peixe em sua cama).

Quem atribuiria ao mar

a culpa pela solidão dos corais

pelas vidas imperfeitas

dos peixes habituados ao abismo,

monstros quietos

só de sal e silêncio e sono?

Eu precisava te dizer,

enquanto as palavras ainda resistem,

antes de se tornarem moluscos

nas espinhas da noite,

antes de se perderem de vez

no esplendor da vida

submarina.





(Da arte das armadilhas)



(Ilustração: Konstantin Somov)






segunda-feira, 26 de novembro de 2018

VARIEDADE LITERÁRIA, de Antônio Sá (*)







Orgulhosa de si mesma, rica em vocabulos, mais do que rica, poderosa, a lingua portugueza! 

Porque? 

Vasta, immensuravel, capaz de qualquer manejo; ora prompta à subfracção de uma letra principal, como o A, ora docil e obediente à falta de uma particula importante do estylo, como o Verbo. 

Entretanto, sempre bella e sempre magestosa. Quer na prosa, como nos ensinamentos de Castilho e Herculano, quer no verso dôce ou candente de Guerra Junqueiro ou Castro Alves. 

Que de mysterios na sua origem e que de belezas na sua formação ! 

Que de encantos na sua existencia e quanto de importante e transcendente nas suas ligações com as outras linguas do universo ! 

Que de carinho e doçura em muitas de suas expressões, e que de propriedade, de força, de symbolismo, em um numero sem conta de seus termos! 

Dahi , a sua grandeza, a sua importancia, o seu valor, até mesmo no conhecimento parcial ou incompleto das suas profundezas, das suas fontes, dos seus segredos occultos quaes outras gemmas de subido valor ou inexhauriveis e inestimaveis filões de ouro de lei. Por isso, ao trabalhador paciente e infatigavel no descobrimento dos seus mysterios, a recompensa, a paga, o lucro certo em thesouros inexgotaveis. 

E bem assim o prazer, a gloria do conhecimento e trato com esse idioma commum a dois povos, irmãos em raça, irmãos em origem, quer no passado repleto de veneras e honrarias, quer no presente todo cheio de esperanças em um futuro ainda melhor e mais explendoroso. 

Para quem o convivio intimo e discerimonio com essa soberana tão altiva de sua linhagem mais que nobre, tão imponente nos seus foros de fidalga cortezã? 

Para bem poucos, em relação ao numero extraordinário de seus vassallos. 

A uns, como Camões, Frei Luis de Souza, João de Deus, Vieira, Latino Coelho, Filinto, Bernardes, Eça de Queiroz e tantos outros, por indole, inclinação, intuição, gosto, prazer, necessidade, a exploração minuciosa, methodica e circumstanciada da formosura de seus arcanos, do não apparente de seus opulentos escrinios. A outros, por desejo imitativo, tendencia ao estudo, ou como eu, por divertimento ou passatempo. Todos, porem, grandes e pequenos, philologos ou não, sob o poderio dessa magestade irradiante, util e proveitosa, immarcessivel e bemfazeja como a luz do sol. 

Della mil proveitos, della mil ensinamentos. Sem ella, para nós, povos latinos, a ignorancia de deslumbrantes riquezas, no conchego, na intimidade dos grandes mestres, desde os seculos remotos até aos nossos dias. Ali, Luiz Camões, poeta, guerreiro e mendigo, eterno consultor das analyses, super constructor da phrase tersa, alti eloquente cantor dos feitos gloriosos das gentes de Portugal, nos immortaes "Luziadas". 

E, porque não Bocage, tão grande no seu estylo limpo e nitido, quão livre soberano, altivo e independente, verdadeiro e consiso na linguagem ? 

No manuseio dos seus livros, a verdade do seu quilate, a expressão sincera do estylista como classico, e do classico como escriptor. 

Depois, Alexandre Herculano, nas fontes abundantes de suas lições na nossa lingua; já nas maximas philosophicas de um profundo ensino ao povo, já entre o mais, no transumpto fiel de uma paixãao humana no peito de um sacerdote, fóra da vida real, mas, debaixo do grilhão dos olhos de Hermengarda, imagem do sacrifício do orgulho e preconceito de uma raça. 

Batalhador audaz e destemido, corajoso e invencivel, tanto de homem quanto da féra, em "Eurico" o amor inextinguivel, e neste livro, em lanço por lanço, o manancial infindavel de uma literatura sadia e confortavel, pura e bôa, agradável e escorreita. 

E o grande Camillo Castello Branco ? Em suas obras, o amor e as convenções sociaes sempre em lucta sem treguas e sem quartel. Em sua penna, o gladio vingador, a punição constante ao orgulho, sem visos de razão. Em seus assumptos, um grande bem às almas, um enorme prazer aos corações, uma nenia à paixão terrena e infeliz, uma benção, em summa, à pureza e à sublimidade dos mais serios e mais caros sentimentos affectivos. 

Ao mesmo passo, o estudo profundo da nossa lingua, o ensino a todos nós, por meio das suas bellezas, o encantamento de um estylo todo delle, e, por isso mesmo, ao alcance de poucos e longe, da imitação de outrem. 

Nos nossos dias, ainda lá no velho Portugal, "sob a nudez crua da verdade o manto diaphano da phantazia" de Eça de Queiroz, o imenso e incomparavel escriptor contemporaneo; commentador exacto dos usos e costumes da gente de sua terra, ao par de uma linguagem tao incisiva quão eloquente, tão mordaz quão penetrante, tão expressiva quão forte, e tão em harmonia com os sentimentos desses de lá e tambem de nós outros, seus irmãos por tantos laços. Nos seus livros, fieis espelhos do seu tempo, o caracter de um povo superior e o espirito brilhante de um literato immortal. Nas suas obras, a lição, a critica sensata e ferina, a postergação ao vício, o aniquilamento do futil, do hypocryta, na folhagem de falsa competencia ou na veste da honestidade bastarda, à luz diamantina do verdadeiro e impassivel julgamento dos homens, como elle, superiores no criterio e formidaveis na razão. 

E, sobre todos, vivos ou mortos, poetas ou prosadores, de mim para commigo, Guerra Junqueiro, o rei da poesia, o sabio emfim, quer na doçura commovente dos versos de "Fiel", do causticante "O Melro", na cadência suave da "Musa em ferias", na delicadeza captivante dos "Simples", nas duras verdades da "Morte de D. João", na pungitiva commoção da "A Lágrima", na contrição das orações à Luz, ao Pão e ao Vinho , e tudo mais desse autor da "Patria" e tantos outros trabalhos de psychologia em rimas dc ferro em ou sopro ameno da brisa ciciante. 

Entre nós, tanto na prosa quanto no verso, ora, um poeta sublime como Gonsalves Dias, colosso, na expressão de Vieira de Castro; ora, um condoreiro incomparável, como Castro Alves, o cantor dos escravos, eterno nas "Espumas Flutuante", na "Cachoeira de Paulo Affonso", na "Ode ao 2 de Julho", ou no "Navio Negreiro", em tudo finalmente, derivante de um cerebro ainda em flôr e tão cedo cadáver, mas, sempre o mesmo grandioso lyrico da phalange heróica da ultima geração. Ora, um Alvares de Azevedo, como o outro, flor em pó aos verdes annos, celebre nas "Noites da Taverna" ou na expressão em face à morte: "Que fatalidade, meu Pae!". Excesso de talento contra o excesso da vida, resultado de seiva em demazia em mente pouco sã, ausência de equilibrio natural decorrente do mcthodo ou meio de vida necessarios à conservação da existencia de um homem não commum, em Alvares de Azevedo, uma das mais lidimas esperanças da literatura nacional. Ora, um Tobias Bareto, poeta e doutor, o mestre do direito, o publicista, o humilde musico de philarmonica e sua pequena terra, e, mais tarde, o visionario em relação aos tempos actuaes do direito internacional, nos faucess hiantes do mais moderno canhão. Ora, um Laurindo Rebello, embora triste de mais; um Casimiro de Abreu; um Gonzaga de "Marilia" um Fagundes Varella; um Raymundo Correa, no vôo brando das "Pombas" ou no conceito philosophico do "Mal Secreto"; um Emilio de Menezes, de settas sempre de riste; um Machado de Assis, o grande critico; e, entre os vivos, os Alberto de Oliveira; Olavo Bilac, o principe e o sonhador; o Arthur de Salles o nosso pontifice; Borges dos Reis, lidario das gemmas brasileiras, traductor incomparavel da "Musa Franceza"; e, em summa, Roberto Correa, tão simples no trato e tão rico de inspiração, como o amiguinho das creanças. 

Ora, entre os tribunos dos tempos de nós mais proximos, Victorino Pereira, Cesar Zama, Pedro Americano, Fausto Cardoso, a victima da politica por amor à sua terra tão pequena em territorio e tão grande em talentos, e tão feliz com seus filhos de valor. Na epoca presente, em primeiro llogar Ruy Barbosa, o sol deste Brasil, defensor tanto na paz quanto na guerra dos direitos da humanidadc soffredora. Advogado dos grandes e dos humildes, dos poderosos e dos fracos. Delegado do nosso pensamento; embaixador do nosso sentimentalismo. 

Traductor impeccavel das nossas aspirações e dos nossos desejos, no concerto dos homens mais eminentes do mundo. Para elle, de nós todos, tudo de melhor nas homenagens, senão, para todos nós o plano inferior da nossa natural e justa veneração. Ao mesmo passo que, em logar de mór destaque, as Americas, a Europa, o universo, emfim, de braços em attitude amiga e cabeça curvas deante desse vulto tão pequeno no physico tão grande quanto um Deus. Para a hora terrivel de provações innominaveis da velha e culta Europa, em guerra de exterminio e de conquista, só o verbo inflamável e divino desse nosso Cicero, só a palavra evangelica do maior dos oradores do Brasil. Só a agua benta das suas conferencias magistraes sobre o direito das gentes na fervura indomavel das paixões em ebulição, no fogo acceso das ambições em jogo. Só o conforto de uma palavra como a desse apostolo do bem, desse missionario da fé, para estimulo dos combatentes, para balsamo às feridas, para allivio aos martyres e retemperamento da fibra dos defensoores impeterritos do sacrosanto pendão das leis da humanidade. A Ruy Barbosa, fiel da balança desta Republica, filho amado da Bahia, orgulho do Brasil, os meus anhelos bonançosos em pról de suas romagens do bem, da justiça, do trabalho e do amor aos fracos sob o poder dos mais fortes. A nós, o jubilo de uma raça inteira, o enthusiasmo de todos os patricios, olhos fixos no reflexo explendoroso desse astro de maior grandeza, no azulino céo da patria brasileira. De mim, pequenos demais, relativamente a sua immensidade o culto fervoroso ao seu talento, a veneração extrema à sua pessôa, o prazer de suas victorias retumbantes, uma homenagem simples como esta: seu nomc, sua lembrança, num trabalho modesto qual o meu. Como philologo, conhecedor profundo da nossa lingua, orador fluente e imaginoso, dominador de massas populares, jornalista invencivel, jurista excelso e inegualavel, de mim, a citação de sua figura estupenda, a referencia à sua inconfundivel individualidade, para honra deste meu devaneio literario, producto exclusivo da minha paciencia e do meu grande esforço. 

Agora, um hymno aos pés do throno do preclaro mestre, Dr. Ernesto Carneiro Ribeiro. Quem mais senhor das imponencias da lingua portugueza que esse sabio preceptor de tantas gerações? Quem mais conhecedor das subtilezas do nosso bello idioma que esse glorioso arauto de tanto espirito brilhante, de tantos homens eminentes, sempre repeitadores da prata de sua cabeça, da felicidade do seu lar, da sua vida operosa, dos seus esforços ingentes no ensino da mocidade do Brasil? Ninguém mais do que elle. Em cada dia da sua 1abuta educativa em beneficio dos estudiosos, mais um fio branco como linho, nos seus nevados cabellos, mais um sulco na sua face austera, mais uma benção do ceo sobre o seu casal, todo amor, todo carinho, todo venturas sem par. Immortal nos "Serões Grammaticaes", bem como na celebre discussão do "Codigo Civil"; sublime nas suas conferencias, qual a ultima "Educação e Moral", electrisante, commovedora, eloquente, profunda e classica, em todas as suas obras, a rigidez de uma fibra tensa para o ensino, para a convicção por meio dos bons exemplos e dos melhores principios de sã philosophia. Sem offensas a outrem, sem receio dos milindres alheios, para o mestre excelso da nossa lingua, quer como o mais perfeito e mais completo investigador dos seus veios de ouro; quer como o maior dirigente de milheiros de estudantes, os meus emboras mais erfusivos, os meus applausos mais sinceros. Ao tempo em que, de mim, de todos os seus dilectos alumnos, seus amigos, um voto fervoroso pela conservação da sua vida, tão necessária à familia, quão util e proveitosa à comunhão social. No seu passado, um labaro de esperanças na victoria da instrucção. Nas suas obras, um pendão em frente ao povo, como um incentivo na peleja pela conquista de uma carta de abc. Num pedestal de ouro, tão luzente quão valioso, em relaçao aos sessenta annos de vida trabalhosa, a figura patriarchal e solemne desse idolo da mocidade e, desse homem não commum, o Dr Ernesto Carneiro Ribeiro. E muito abaixo da peanha, na planicie das coisas vulgares, e, por isso mesmo, pequeninas, a plebe dos manuseadores dos bons livros. Mais abaixo ainda, na confusão do pó dos poucos conhecimentos, milhares de neophitos como eu. E para mim, seu nome refulgente, seu alto valimento, com fêcho desta minha variedade literária. 

Hosannas, mestre! 

Hosannas, grande educador ! 



(*) Em 1915, o filólogo baiano Antônio Sá proferiu no Instituto Histórico da Bahia um longo discurso no qual em nenhum momento usava a letra “a”. Já neste discurso, proferido no mesmo Instituto, em 1918, ele não usa VERBO. Mantivemos a ortografia original. 



(Ilustração: Anton Raphael Mengs: 1728-1779; Il Parnaso -1760 - 61)





sexta-feira, 23 de novembro de 2018

MULA DE DEUS, de Hilda Hilst






I



Para fazer sorrir O MAIS FORMOSO

Alta, dourada, me pensei.

Não esta pardacim, o pelo fosco

Pois há de rir-se de mim O PRECIOSO.



Para fazer sorrir O MAIS FORMOSO

Lavei com a língua os cascos

E as feridas. Sanguinolenta e viva

Esta do dorso

A cada dia se abre carmesim.



Se me vires, SENHOR, perdoa ainda.

É raro, em sendo mula, ter a chaga

E ao mesmo tempo

Aparência de limpa partitura

E perfume e frescor de terra arada.



II



Há nojosos olhares sobre mim.

Um rei que passa

E cidadãos do reino, príncipes do efêmero.

Agora é só de dor o flanco trêmulo.

Há nojosos olhares. Rústicos senhores.



Açoites, fardos, vozes, alvoroço.

E há em mim um sentir deleitoso

Um tempo onde fui ave, um outro

Onde fui tenra e haste.



Há alguém que foi luz e escureceu.

E dementado foi humano e cálido.

Há alguém que foi pai. E era meu.



III



Escrituras de pena (diria mais, de pelos)

De infinita tristura, encerrada em si mesma

Quem há de ouvir umas canções de mula?



Até das pedras lhes ouço a desventura.

Até dos porcos lhes ouço o cantochão.

E por que não de ti, poeta-mula?



E ornejos de outras mulas se juntaram aos meus.

Escoiceando os ares, espumando de gozo

Assustando mercado e mercadores



Alegrou-se de mim o coração.



IV



Um dia fui o asno de Apuléius.

Depois fui Lucius, Lucas, fui Roxana.

Fui mãe e meretriz e na Betânia

Toquei o intocado e vi Jeshua.

(Ele tocou-me o ombro aquele Jeshua pálido).



Um tempo fui ninguém: sussurro, hálito.

Alguém passou, diziam? Ninguém, ninguém.



Agora sou escombros de um alguém.

Só caminhada e estio. Carrego fardos



Aves, patos, esses que vão morrer.

Iguais a mim também.



V



Ditoso amor de mula, Te ouvi murmurando

Ó Amoroso! Ditoso amor de mim!

Poder amar a Ti com este corpo nojoso

Este de mim, pulsante de outras vidas

Mas tão triste e batido, tão crespo

De espessura e de feridas.



Ditoso amor de mim! Tão pressuroso

De amar! (E de deitar-se ao pé

De tuas alturas). Corpo acanhado de mula



Este de mim, mas tão festivo e doce

Neste Agora

Porque banhado de ti, ó FORMOSURA.



VI



Tu que me vês

Guarda de mim o olhar.

Guarda-me o flanco.

Há de custar tão pouco

Guardar o nada

E seus resíduos ocos.



Orelhas, ventas

O passo apressado sob o jugo

Casco, subidas

Isso é tudo de mim

Mas é tão pouco...



Tu que me vês

Guarda de mim, apenas

Minha demasiada coitadez.



VII



Que eu morra junto ao rio.

O caudaloso frescor das águas claras

Sobre o pelo e as chagas.



Que eu morra olhando os céus:

Mula que sou, esse impossível

Posso pedir a Deus. E entendendo nada

Como os homens da Terra

Como as mulas de Deus.



VIII



Palha

Trapos

Uma só vez o musgo das fontes

O indizível casqueando o nada



Essa sou eu.



Poeta e mula



(Aunque pueda parecer

Que del poeta es locura).





(Estar sendo. Ter sido.)



(Ilustração: Aleah Chapin - Seattle, Estados Unidos – 1986 - And We Were Birds)



terça-feira, 20 de novembro de 2018

VIVER UMA ÉPOCA REAL AINDA QUE SURREAL, PARADOXAL, de Ignácio de Loyola Brandão







Minha raiva dos militares começou no dia em que, voltando ao jornal Última Hora, duas semanas após seu fechamento, no dia 1º de abril de 1964, encontrei um elemento novo na redação, o censor. Naquele dia percebi que tudo estava mudado, a liberdade de expressão terminada. Os anos passaram e o torniquete foi sendo apertado com o AI-5, com o Conselho Superior de Censura, com as cassações de políticos, de intelectuais, de líderes estudantis, as prisões, os desaparecimentos, as torturas. Ou se era contra ou a favor, expresso mais tarde no adesivo que estava na maioria dos carros: Brasil, ame-o ou deixe-o. Era ler aquilo e saber com quem se estava falando. Em 1965 publiquei meu primeiro livro, Depois do sol; em 1968 o segundo, Bebel que a cidade comeu e o terceiro em 1969, Pega ele, silêncio. Logo viria o quarto que me colocou na cena literária e política. Jornalista e escritor, belo ser duplo eu era. Se como jornalista sofria a censura (e logo a autocensura, que é pior), logo com meu romance Zero eu continuaria sob o jugo do PROIBIDO. Assim, eu e minha geração sofríamos duro aprendizado. O que marcou o grupo de escritores entre os anos 1960 e os de 1980 foi que ele veio dos meios de comunicação, dos jornais, televisão, rádio e publicidade. Diferente da geração anterior quando a maioria foi funcionário público, trabalhava em autarquias e ministérios, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, José Lins do Rego, Graciliano Ramos. 

Essa minha geração bandeou-se para a literatura, em parte motivada pela ânsia de ver e não poder contar o que via e vivia. A ficção possibilitou transmitir a realidade brasileira como era. Evidente que surgiu uma lei que obrigava os editores a submeter os originais a uma censura prévia, para saber se poderiam ou não ser publicados. Nenhum editor acatou tal determinação. As proibições vieram, seguidas. Os militares acreditavam que a literatura poderia colocar as armas nas mãos da população. Nós acreditávamos que podíamos fazer cabeças. Sonhos. Nem um nem outro. 

Os livros eram expurgados das livrarias, seguidamente. Saltavam romances, novelas, antologias de contos, ensaios, num festival de insanidade e arbitrariedade. Assim, o belo romance A capital, de Eça de Queiroz, foi confundido com O Capital de Marx. Livros de geografia caíram no índex, sem que se saiba por quê. O escritor Renato Tapajós, autor de Em câmera lenta, foi proibido e preso. O editor Ênio Silveira, dos mais ousados e corajosos do país, foi preso várias vezes, sofreu ameaças e perseguições. Também Carlos Heitor Cony, Paulo Francis, Jaguar, Tarso de Castro, Ziraldo e toda a turma do libertário O Pasquim. 

Ferreira Gullar, Darcy Ribeiro, Thiago de Mello se exilaram, assim como Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso, para citar apenas alguns. Osvaldo França Júnior foi demitido da Aeronáutica e Bernardo Élis, da Academia Brasileira de Letras, expulso da Universidade Federal de Goiás. Wander Pirolli, o melhor autor de livros infantis da década, sofreu sérias represálias e ameaças por causa do título de seu livro, O menino e o pinto do menino. Achavam que pinto era pinto, membro, e não pintinho, filho da galinha. 

Quando tocavam a campainha da porta, tremíamos. Teria chegado a nossa vez? A cada artigo publicado, ao atender o telefone, vinha a ansiedade: Vai ser agora? 

Finalmente meu romance Zero, escrito entre 1964 e 1973, saiu na Itália em primeira edição e em seguida no Brasil em 1975. Um ano e meio depois foi proibido. Indaguei ao censor que regia a Editora Três, onde eu trabalhava na época, fazendo a revista Planeta, o que a proibição significava em relação a minha integridade física. 

— Se o livro for proibido por uma questão política, você poderá ser preso e a editora fechada. Mas se a razão for moral, deixe para lá, esqueça. 

Logo eu soube, Zero foi proibido por ser atentatório à moral e aos bons costumes. Dias depois, o censor me comunicou (paradoxalmente era um homem culto, agradável, boa conversa) que para não se “chatear” com processos e outras coisas, o Ministério da Justiça preferia proibir livros pela moral. Acrescentou: 

— Quanto a recolher os exemplares publicados, descanse. A Polícia Federal nem tem viaturas para isso e os agentes vão fazer a maior confusão, livraria não é o ambiente deles. 

Essa relação com os censores era estranha, alguns avisavam as redações que determinado livro, filme ou disco seria proibido e então tínhamos “chance” de correr ao cinema, ao teatro, à livraria, antes que viesse o veto. Delirante. 

Certa tarde — acreditem — ele me confidenciou: 

— Em geral são as esposas dos coronéis e oficiais que, desocupadas, comentam livros, revistas, programas de televisão, novelas nas mesas de jogo de biriba de Brasília e então pressionam os maridos. Também as associações religiosas influenciam. 

Tudo era surreal, espantosamente fantástico. Muitos escritores entre 1968 e 1982 chegaram às escolas, faculdades, associações e foram proibidos de falar, por medo de diretores ou dos conselhos. Os encontros eram realizados numa praça, quadra esportiva, na estação ferroviária, em uma igreja, num espaço qualquer. 

Momento significativo aconteceu em 1975, quando todos os setores culturais se reuniram no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, para o debate que desafiou e confundiu a Polícia Federal, presente na primeira fila. Iniciava-se o movimento anticensura. Em seguida, em 1976, veio a proibição de três livros, Araceli, meu amor, de José Louzeiro, Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca e Zero, meu, que acendeu um estopim no país e gerou uma linha de frente, e o manifesto, que atravessou o Brasil em 1977, colhendo 1.546 assinaturas dos mais representativos intelectuais brasileiros, de criadores a professores, exigindo a imediata supressão da censura. 

Era possível unir, resistir, lutar. Independentemente de tudo, foi um período fértil para a literatura, música, teatro, porque havia um inimigo comum a enfrentar, a violência de um regime que suprimiu a liberdade. E isso deu forças. O mais curioso eram os escritores de mesas de bar que anunciavam: 

— Estou com o livro pronto, mas tem o problema da censura... 

Quando acabou a censura, abriram as gavetas... estavam vazias. Quem tinha alguma coisa a falar, tinha falado, escrito, comunicado. 



(Revista Palavra) 



(Ilustração: Han Wu Shen - every word is true)



sábado, 17 de novembro de 2018

A MULA, de Adelaide Ivánova




           "um silêncio amamentado com veneno,
             um silêncio imenso”

                       Paul Celan, tradução de Flávio R. Kothe





mede o valor de seu empenho

e afirmações tendo

como medida o peso que carrega

como boa mula não faz ideia

de quem a monta mas

está a seu serviço



como toda boa mula

empaca na beira do

abismo não morrer

é sua vingança

filomela sem língua

e mula

não pula por ódio

não por esperança

(e nisso há uma diferença

fundamental).



a mula-lavínia

também teve sua língua

arrancada de lucrécia

mula e adormecida

não arrancaram

nada mas a chantagem

é também uma mordaça

a mula-talia também

dormia quando foi

violada



foi maury e mula

que conseguiu

abrir a boca

e ao virar asno

mudou o próprio

nome e o das coisas

a nova mula aprendeu

alemão e vergewaltigung (*)

deixa de ser o que é

vira um som qualquer

dito com a mesma

entonação que cometa

fúria jacaré passarinho

fósforo procissão pedra

cacto



a mula empacada

quase muda ao menos

nunca foi surda

“até das pedras lhes ouço a desventura”

cada um tem o que diz

a mula em zarathustra

a mula de hilst

mas o rouxinol que canta

é o rouxinol macho.



(*) violação, estupro (nota do blog) 




(O Martelo)




(Ilustração: P
aula Rego)






quarta-feira, 14 de novembro de 2018

LUAMANDA, de Conceição Evaristo








Luamanda consertou o vestido no corpo observando por alguns instantes o colo e o pescoço. Não, a sua pele não denunciava as quase cinco décadas que já havia vivido. As marcas no rosto, poucas, mesmo quando observadas de perto mentiam descaradamente sobre a sua idade. Nunca ninguém havia lhe dado mais de quatro décadas de vida. Um dia o lance mais alto que ela orgulhosamente aceitara fora de 35 anos. Sorriu ao ouvir a oferta. É, estava inteirinha, apesar de tantos trambolhões e acidentes de percurso em sua vida-estrada. 

Lua, Luamanda, companheira, mulher. Havia dias em que era tomada de uma nostalgia intensa. Era a lua mostrar-se redonda no céu, Luamanda na terra se desminlinguia todinha. Era como se algo derretesse no interior dela e ficasse gotejando bem na altura do coração. Levava a mão ao peito e sentia a pulsação da vida desenfreada, louca. Taquicardia. Tardio seria, ou mesmo haveria um tempo em que as necessidades do amor seriam todas saciadas? Ela iniciara cedo na busca, menina, muito menina ainda. Lembrava-se da primeira paixão. Sentimento esquivo, onde se misturavam revistas em quadrinhos, giz colorido, partilha de pão com salame e um epílogo cruel dramatizado pela surra que levara da mãe. O amor dói? Na época pensou que a dor de amor era tanta, porque tinha onze anos e um corpo-coração pequeno. E desejou crescer. Entre um pelo e outro que nasciam em suas axilas e sobre o seu púbis ensaiou e experimentou sorrisos, acenos distantes, piscar de olhos, troca de desenhos, cartas mal-escritas borradas com os dedos trêmulos de amores platônicos. O amor é terra morta? 

Um dia, aos treze anos, a cama do gozo foi arrumada em pleno terreno baldio. A lua espiava no céu denunciando com a sua luz um corpo confuso de uma quase menina, de uma quase mulher. Corpo-coração espetado por um falo, também estreante. Um menino que se fazia homem ali, a inaugurar em Luamanda o primeiro jorro, fora de suas próprias masturbantes mãos. E ambos se lambuzavam festivamente um no corpo do outro. Luamanda chorando de prazer. O gozo-dor entre as suas pernas lacrimevaginava no falo intumescido do macho menino, em sua vez primeira no corpo de uma mulher. O amor é terremoto? 

Depois, em outro tempo, quando já acumulada de várias vivências, ela deparou-se com um homem que viria inaugurar novos ritos em seu corpo. Uma sensação estranha, algo como um jorro-d’água ou um tapa inesperado caiu sobre o rosto de Luamanda, ao avistá-lo pela primeira vez. Ele sorriu. Ela sentiu o sorriso desgrudando da face dele e mordendo lá dentro dela. O coração de Luamanda coçou e palpitou, embora a cara da lua nem estivesse escancarada no céu. Não fazia mal, a lua viria depois. E veio, várias vezes. Lua cúmplice das barrigas-luas de Luamanda. Vinha para demarcar o tempo grávido da mulher e expulsar, em lágrimas amnióticas e sangue, os filhos: cinco. Navegação íntima de seu homem no buraco-céu aberto de seu corpo. O amor é um poço misterioso onde se acumulam águas-lágrimas? 

Depois, tempos depois, Luamanda experimentava o amor em braços semelhantes aos seus. Os bicos dos seios dela roçando em outros intumescidos bicos. No primeiro instante, sentiu falta do encaixe, do membro que completava. Num ato de esquecimento, sua mão procurou algo ereto no corpo que estava diante do dela. Encontrou um falo ausente. Mas estava tão úmida, tão aquosa aquela superfície misteriosamente plana, tão aberta e igual a sua, que Luamanda afundou-se em um doce e feminil carinho. E quando se sentiu coberta por pele, poros e pelos semelhantes aos seus, quando a sua igual dançou com leveza a dança-amor com ela, saudade alguma sentiu, vazio algum existiu, pois todas as fendas de seu corpo foram fundidas nas femininas oferendas da outra. O amor se guarda só na ponta de um falo ou nasce também dos lábios vaginais de um coração de uma mulher para outra? 

Luamanda, um dia, também amazona, montada então sobre um jovem. O moço encantado por aquela mulher que ele sabia madura, mas de imprecisa idade. O jovem amamentando-se no tempo vivido dela. Luamanda se realimentando, reencontrando a sua juventude passada e encantada pela virilidade quase inocente dele. Era tão grande a juvenil força do moço a atravessar o corpo de Luamanda, que ensandecida, às vezes, quando ele estava lá embaixo no buraco-perna, ela pensava que o intumescido bastão dele ia penetrar no seu corpo, desde lá de baixo e lhe vazar pela boca afora. O amor não cabe em um corpo? 

Tantos foram os amores na vida de Luamanda, que sempre um chamava mais um. Aconteceu também a paixão avassaladora pelo velho, pelas rugas que ele trazia na pele, pelo cansaço dele, pela cópula que ela esperava e espreitava durante dias e dias. Era tão bom contemplar aquele falo adormecido, preguiçoso, sapiente de tanto corpos-histórias do passado. Era como vivenciar uma duvidosa e infiel fé, sustentada por uma temerosa esperança de que o milagre não acontecesse. E foi no corpo do velho que ela melhor executou o ritual do amor. Pacientemente penteava ou ouriçava, com os dentes, os embranquecidos pentelhos do corpo dele. E de noite, depois de muitas noites, quando a pedra envergonhada e soturna se desabrochava em flor, ambos cavavam o abismo do abismo encontrando o nada como realidade única e, então, é que aconteciam as juras de amor. E o velho vinha lento, calmo, cuidadoso, cioso do fundo caminho que ele teria de adentrar. Ela também calma, apenas retesando suavemente os finos véus sanguíneos, bordados nas paredes vaginais. Ele chegava e ela silenciando os gritos se quedava embevecida diante do quase nada de um átimo de prazer. O amor é um tempo de paciência? 

Se havia o amor na vida de Luamanda, também um grande fardo de dor compunha as lembranças de seu caminho. A vagina ensanguentada, perfurada, violada por um fino espeto, arma covarde de um desesperado homem, que não soubera entender a solidão da hora da partida. E durante meses, o sangue menstrual de Luamanda, sangue de mulher que nasce naturalmente de seu útero-alma vinha misturar-se ao sangue e pus, dádivas dolorosas que ela ganhara de um estranho fim amoroso. E pior do que a dor foi a dormência de que foi atacada, em sua parte tão viva, durante meses a fio. Logo ali onde a vida se entranha e desentranha. Ali onde Luamanda havia parido concretas e vitalícias lembranças de si e de outro homem que ela amara tanto, nas doces visagens de seus filhos. Foi um tempo em que precisou exercitar a paciência com o seu próprio corpo. Trancada em si, ou melhor, aberta para si mesmo, com as mãos espalmadas e leves imaginava lenitivos carinhos. Chorando alisava, bulia, contornava uma cicatriz que ficara desenhada em um ponto da pele, onde os pelos se rarearam para sempre. Era um ponto único, minúsculo, um impertinente calombo. Ali, então alisava a dor e seus contornos. Era preciso convencer-se na sua floresta espessa e negra de que o prazer era uma via retornável, de que o gozo ainda era possível. O amor comporta variantes sentimentos? 

Entre encontros e desencontros, Luamanda estava em franca aprendizagem. Uma aprendizagem no, por dentro e fora do corpo. A cada amor vivido, Luamanda percebia que a lição encompridava, mas que ainda faltava testes, arguições, sabatinas e que ela sabia só um pouquinho ou talvez nem soubesse nada ainda. 

Havia os filhos, três mulheres e dois homens. Todos eles já inaugurados no mistério maior da vida. A mais nova estava redonda da cabeça aos pés guardando e aguardando a velha e nova espécie humana desafiadora do tempo. Estava em vésperas de parir. Luamanda, avó, mãe, amiga, companheira, amante, alma-menina no tempo. 

Alma-menina no tempo? Não, ela não se envergonhava de seu narcisismo. Era com ele que ela compunha e recompunha toda a sua dignidade. Encarou novamente o espelho e se lembrou de um poema, em que uma mulher contemplando a sua imagem refletida, perguntava angustiada onde é que ela deixara a sua outra face, a antiga, pois não se reconhecia naquela que lhe estava sendo apresentada naquele momento. 

Não, não era o caso de Luamanda, que se reconhecia e se descobria sempre. Pouquíssimos fios de cabelos brancos avançavam buscando criar um território próprio em sua cabeça. Escolheu esses fios, puxou-os querendo destacá-los entre os demais. 

Imaginou-se com os cabelos brancos sobre o rosto negro. Seria bela como a Velha Domingas lá das Gerais. 

Viajando no tempo-evento de sua vida, Luamanda, distraída, esqueceu-se do compromisso para o qual se preparava no momento. Acordou, para o encontro que estava para acontecer naquela noite, quando ouviu os assobios de alguém que aguardava por ela lá fora. Apressou-se. Podia ser que o amor já não suportasse um tempo de longa espera.  



(Olhos d’água)



(Ilustração:  Elisha Ongere  - Charming Girl)






domingo, 11 de novembro de 2018

LE RICORDANZE / AS RECORDAÇÕES, de Giacomo Leopardi








Vaghe stelle dell'Orsa, io non credea

Tornare ancor per uso a contemplarvi

Sul paterno giardino scintillanti,

E ragionar con voi dalle finestre

Di questo albergo ove abitai fanciullo,

E delle gioie mie vidi la fine.

Quante immagini un tempo, e quante fole

Creommi nel pensier l'aspetto vostro

E delle luci a voi compagne! allora

Che, tacito, seduto in verde zolla,

Delle sere io solea passar gran parte

Mirando il cielo, ed ascoltando il canto

Della rana rimota alla campagna!

E la lucciola errava appo le siepi

E in su l'aiuole, susurrando al vento

I viali odorati, ed i cipressi

Là nella selva; e sotto al patrio tetto

Sonavan voci alterne, e le tranquille

Opre de' servi. E che pensieri immensi,

Che dolci sogni mi spirò la vista

Di quel lontano mar, quei monti azzurri,

Che di qua scopro, e che varcare un giorno

Io mi pensava, arcani mondi, arcana

Felicità fingendo al viver mio!

Ignaro del mio fato, e quante volte

Questa mia vita dolorosa e nuda

Volentier con la morte avrei cangiato.



Nè mi diceva il cor che l'età verde

Sarei dannato a consumare in questo

Natio borgo selvaggio, intra una gente

Zotica, vil; cui nomi strani, e spesso

Argomento di riso e di trastullo,

Son dottrina e saper; che m'odia e fugge,

Per invidia non già, che non mi tiene

Maggior di se, ma perchè tale estima

Ch'io mi tenga in cor mio, sebben di fuori

A persona giammai non ne fo segno.

Qui passo gli anni, abbandonato, occulto,

Senz'amor, senza vita; ed aspro a forza

Tra lo stuol de' malevoli divengo:

Qui di pietà mi spoglio e di virtudi,

E sprezzator degli uomini mi rendo,

Per la greggia ch'ho appresso: e intanto vola

Il caro tempo giovanil; più caro

Che la fama e l'allor, più che la pura

Luce del giorno, e lo spirar: ti perdo

Senza un diletto, inutilmente, in questo

Soggiorno disumano, intra gli affanni,

O dell'arida vita unico fiore.



Viene il vento recando il suon dell'ora

Dalla torre del borgo. Era conforto

Questo suon, mi rimembra, alle mie notti,

Quando fanciullo, nella buia stanza,

Per assidui terrori io vigilava,

Sospirando il mattin. Qui non è cosa

Ch'io vegga o senta, onde un'immagin dentro

Non torni, e un dolce rimembrar non sorga.

Dolce per se; ma con dolor sottentra

Il pensier del presente, un van desio

Del passato, ancor tristo, e il dire: io fui.

Quella loggia colà, volta agli estremi

Raggi del dì; queste dipinte mura,

Quei figurati armenti, e il Sol che nasce

Su romita campagna, agli ozi miei

Porser mille diletti allor che al fianco

M'era, parlando, il mio possente errore

Sempre, ov'io fossi. In queste sale antiche,

Al chiaror delle nevi, intorno a queste

Ampie finestre sibilando il vento,

Rimbombaro i sollazzi e le festose

Mie voci al tempo che l'acerbo, indegno

Mistero delle cose a noi si mostra

Pien di dolcezza; indelibata, intera

Il garzoncel, come inesperto amante,

La sua vita ingannevole vagheggia,

E celeste beltà fingendo ammira.



O speranze, speranze; ameni inganni

Della mia prima età! sempre, parlando,

Ritorno a voi; che per andar di tempo,

Per variar d'affetti e di pensieri,

Obbliarvi non so. Fantasmi, intendo,

Son la gloria e l'onor; diletti e beni

Mero desio; non ha la vita un frutto,

Inutile miseria. E sebben vóti

Son gli anni miei, sebben deserto, oscuro

Il mio stato mortal, poco mi toglie

La fortuna, ben veggo. Ahi, ma qualvolta

A voi ripenso, o mie speranze antiche,

Ed a quel caro immaginar mio primo;

Indi riguardo il viver mio sì vile

E sì dolente, e che la morte è quello

Che di cotanta speme oggi m'avanza;

Sento serrarmi il cor, sento ch'al tutto

Consolarmi non so del mio destino.

E quando pur questa invocata morte

Sarammi allato, e sarà giunto il fine

Della sventura mia; quando la terra

Mi fia straniera valle, e dal mio sguardo

Fuggirà l'avvenir; di voi per certo

Risovverrammi; e quell'imago ancora

Sospirar mi farà, farammi acerbo

L'esser vissuto indarno, e la dolcezza

Del dì fatal tempererà d'affanno.



E già nel primo giovanil tumulto

Di contenti, d'angosce e di desio,

Morte chiamai più volte, e lungamente

Mi sedetti colà su la fontana

Pensoso di cessar dentro quell'acque

La speme e il dolor mio. Poscia, per cieco

Malor, condotto della vita in forse,

Piansi la bella giovanezza, e il fiore

De' miei poveri dì, che sì per tempo

Cadeva: e spesso all'ore tarde, assiso

Sul conscio letto, dolorosamente

Alla fioca lucerna poetando,

Lamentai co' silenzi e con la notte

Il fuggitivo spirto, ed a me stesso

In sul languir cantai funereo canto.



Chi rimembrar vi può senza sospiri,

O primo entrar di giovinezza, o giorni

Vezzosi, inenarrabili, allor quando

Al rapito mortal primieramente

Sorridon le donzelle; a gara intorno

Ogni cosa sorride; invidia tace,

Non desta ancora ovver benigna; e quasi

(Inusitata maraviglia!) il mondo

La destra soccorrevole gli porge,

Scusa gli errori suoi, festeggia il novo

Suo venir nella vita, ed inchinando

Mostra che per signor l'accolga e chiami?

Fugaci giorni! a somigliar d'un lampo

Son dileguati. E qual mortale ignaro

Di sventura esser può, se a lui già scorsa

Quella vaga stagion, se il suo buon tempo,

Se giovanezza, ahi giovanezza, è spenta?



O Nerina! e di te forse non odo

Questi luoghi parlar? caduta forse

Dal mio pensier sei tu? Dove sei gita,

Che qui sola di te la ricordanza

Trovo, dolcezza mia? Più non ti vede

Questa Terra natal: quella finestra,

Ond'eri usata favellarmi, ed onde

Mesto riluce delle stelle il raggio,

E' deserta. Ove sei, che più non odo

La tua voce sonar, siccome un giorno,

Quando soleva ogni lontano accento

Del labbro tuo, ch'a me giungesse, il volto

Scolorarmi? Altro tempo. I giorni tuoi

Furo, mio dolce amor. Passasti. Ad altri

Il passar per la terra oggi è sortito,

E l'abitar questi odorati colli.

Ma rapida passasti; e come un sogno

Fu la tua vita. Ivi danzando; in fronte

La gioia ti splendea, splendea negli occhi

Quel confidente immaginar, quel lume

Di gioventù, quando spegneali il fato,

E giacevi. Ahi Nerina! In cor mi regna

L'antico amor. Se a feste anco talvolta,

Se a radunanze io movo, infra me stesso

Dico: o Nerina, a radunanze, a feste

Tu non ti acconci più, tu più non movi.

Se torna maggio, e ramoscelli e suoni

Van gli amanti recando alle fanciulle,

Dico: Nerina mia, per te non torna

Primavera giammai, non torna amore.

Ogni giorno sereno, ogni fiorita

Piaggia ch'io miro, ogni goder ch'io sento,

Dico: Nerina or più non gode; i campi,

L'aria non mira. Ahi tu passasti, eterno

Sospiro mio: passasti: e fia compagna

D'ogni mio vago immaginar, di tutti

I miei teneri sensi, i tristi e cari

Moti del cor, la rimembranza acerba.



Tradução é de Wagner Mourão Brasil:



Vagas estrelas da Ursa, eu não pensava

Retornar como antes a contemplar-vos

Sobre o paterno jardim cintilantes

E conversar convosco da janela

Da casa onde morei quando menino,

E vi chegar ao fim minha alegria.

Quantas imagens então, quantas ilusões

Criou minha mente à vossa visão

E o resplendor de vossas companheiras!

Então, sentado em verde relva, mudo,

Das noites eu passava grande parte

Contemplando o céu, e escutando o canto

Da rã que vem de longe na campanha!

E o vagalume errava junto às sebes

E pela leira, sussurrando ao vento

As aleias fragrantes, e os ciprestes

Lá no bosque; e sob o teto paterno

Alternavam-se as vozes e o tranquilo

Labor dos criados. Que pensar vasto,

Que doces sonhos me inspirou a vista

Do distante mar, dos montes azuis,

Que daqui enxergo, e que em transpor um dia

Eu sonhava, arcanos montes, arcana

Ventura inalcançada em meu viver!

Alheio ao meu fado, por quantas vezes

Esta existência sofrida e vazia

Com prazer pela morte eu trocaria.



Nem me dizia o coração que os anos

Da minha juventude eu passaria

Neste burgo selvagem, entre gente

Grosseira, vil, para os quais formação

E saber são razão de diversão

e riso; gente que me evita e odeia

Por inveja ainda não, pois não me tem

Por melhor que eles, mas por presumir

Que assim eu me julgue, embora aos de fora

A ninguém jamais mostrei que assim fosse.

Aqui passo os anos, sozinho, oculto,

Sem vida, sem amor; e amargo torno-me,

À força de estar entre esta gentalha.

Da compaixão me dispo e das virtudes,

Pelos que me são próximos rendo-me

Ao desprezo pelos homens; no entanto

Foge a amada juventude; mais cara

Que o renome e os lauréis, mais que a mais pura

Luz do dia, e o respirar: perco-te

Sem um deleite, inutilmente, nesta

Moradia inumana, em meio às mágoas,

Oh! da árida vida única flor.



Vem o vento trazendo o som das horas

Da torre da igreja. Era conforto

Aquele som, recordo, às minhas noites,

Quando criança, no aposento escuro,

Por assíduos terrores eu velava,

Anelando a aurora. Aqui não há coisa

Que eu ouça ou veja de que alguma imagem

Não surja, e um doce relembrar não aflore.

Doce por si; mas com a dor ocupa

O pensar do presente, vão desejo

Do passado que, triste, diz: eu fui.

Aquela varanda, defronte aos últimos

Raios do dia; este muro pintado,

A figurativa grei e o Sol que nasce

Sobre uma perdida campanha, ofertam

Mil prazeres ao meu ócio, e a meu lado

Estava, a falar, sempre, aonde eu fosse,

O meu grande erro. Nesta sala antiga,

À claridade da neve, junto a estas

Amplas janelas sibilando o vento,

Soaram as brincadeiras e a minha

Alegre voz enquanto o amargo, vil

Mistério das coisas a nós se mostra

Pleno de doçura; pura, completa,

O jovem, como virginal amante,

A sua vida ilusória contempla,

E o celeste encanto enganoso admira.



Oh! esperanças; deleitosos enganos

Da minha juventude! Ao falar,

sempre volto a vós; que ao passar do tempo,

À sorte dos afetos e pensares,

Olvidar-vos não vou. Fantasmas, creio,

São a glória e a honra; prazer e bens,

Mero anseio; não dá frutos a vida,

Miséria inútil. Embora vazios

Sejam os anos meus, pouco me tira

A sorte, bem percebo. Ai, mas sempre

Em vós repenso, oh esperança antiga,

E no primeiro e caro imaginar;

Agora vejo o meu viver indigno

E dolente, e que a morte é tudo aquilo

Que de toda a esperança hoje me resta;

Sinto fechar-me o coração, não sei

Como consolar-me do meu destino.

E quando por esta invocada morte

Estará ao meu lado, e próximo o fim

Da desventura minha; quando a terra

Será um vale estrangeiro, do meu olhar

Fugirá o devenir; de vós por certo

Lembrarei; e aquela imagem fará

Que eu ainda suspire, torne-me amargo

Por haver vivido em vão, e a doçura

Do dia fatal se tingirá de ânsia.



Já no primeiro juvenil tumulto

De contentamento, angústia e saudade,

Chamei amiúde a morte, e longamente

Sentei-me acolá próximo à nascente

Pensando em cessar dentro daquela água

A esperança e a dor. Depois, por um mal

súbito, levado a beira da morte,

Chorei pela perdida juventude,

E a flor dos meus pobres dias, que cedo

Desfolhava: e a horas mortas, sentei-me

Sobre o ciente leito, poetando

Tristemente à luz da fraca candeia,

Lamentei com o silêncio e a noite

A vida que escapava, e na agonia

Cantei sem ânimo um fúnebre canto.



Quem rememorar pode sem suspiros,

Oh! alvorecer da juventude, oh dias

Gloriosos, inenarráveis, quando

Ao fascínio mortal primeiramente

Sorriem as jovens; em torno ao jogo

Todos sorriem; a inveja se cala,

Não acorda ainda ou é afável; e quase

(inusitada maravilha!) o mundo

A mão direita estende a socorrê-lo,

Perdoa os erros seus, festeja a sua

Nova chegada à vida, e se inclinando

Mostra que por senhor o aceita e chama?

Fugazes dias! ao clarão de um raio

Desvanecem. E qual mortal ignaro

Da desgraça escapa, se já fluiu

A alegre estação, se o seu melhor tempo,

O tempo da juventude, ai, passou?



Oh, Nerina! Estes lugares talvez

Não mais me falem de ti? Meu pensar

Talvez já te esqueceu? Onde andarás,

Que aqui restou de ti só a lembrança,

Doçura minha? Não mais te vê a terra

Onde nasceste: aquela janela,

Onde costumavas falar-me, e de onde

Brilham tristes os raios das estrelas,

Está deserta. Onde estás, que não ouço

Tua voz soar, como ouvi um dia,

Quando me comovia cada sílaba

Que até mim de teus lábios me chegava?

Outro tempo. Foram-se os dias teus,

Doce amor. Tu te foste. A outros hoje

É dado passar pela terra, e aqueles

Montes fragrantes habitar. Mas rápida

Passaste; e como um sonho, a tua vida.

Dançavas; em teu semblante a alegria

Brilhava e nos teus olhos reluzia

Como luz de esperança aquela chama

Da juventude que o fado apagou,

E descansaste. Ai, Nerina! em mim vive

O antigo amor. Se por vezes vou a festas,

Ou se a reuniões, a mim mesmo digo:

Oh Nerina, para estas reuniões

E festas não mais te vestes ou vais.

Se maio volta, e flores e canções

Vão os amantes levando às donzelas,

Digo: oh Nerina, por ti não retorna

Jamais a primavera, o amor não volta.

Cada dia calmo; cada campina

Florida que admiro, um prazer que sinto,

Digo: Nerina a nada frui; os campos,

O ar tu não vês. Ai, tu te foste, eterno

Suspiro meu: morreste, companheira

De cada grato pensamento, todos

Os ternos, tristes, caros sentimentos

Do meu coração, a lembrança amarga.





(Ilustração: Arnold Böcklin (1827-1901) - Swiss Symbolist painter) 




quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A VIDA NO ANNO 2000, de Pierre de Vaux (*)







Estamos no anno 2.000 da éra christã. Começamos a nossa exploração, fazendo uma visita á casa do nosso futuro hospede e guia, através do novo mundo. A primeira impressão não nos dá a idéa de intimidade, que deviamos, encontrar numa casa de habitação. Ella está constituida de grossas pranchas de crystal de côr opaca e dividida interiormente com partes moveis, de sorte que o tamanho das peças póde ser mudado á vontade. Essas divisões estão feitas á prova de ruido e, nem era preciso dizer de incendio. Ao caminhar-se, não se ouvem os passos. Qualquer objecto fragil, que cahia no sólo pula sem quebrar. Almofadas, colchões, esses ninhos de microbios, foram abandonados há muito tempo. 

Seguimos o nosso guia pelo jardim, se assim se póde chamar uma enorme cupula de vidro sob a qual crescem as mais variadas especies de arvores e flôres dos tropicos. Além, a terra está coberta, de neve, aqui, os convidados tomam refrescos, á sombra de arvores floridas. A atmosphera suave é artificial: lava-se, humedece-se, oxigena-se, aquece-se no inverno e esfria-se no verão, tudo por meio de engenhosas machinas "climatericas". As portas se abrem por si mesmo, quando nos vêem com seu invisivel "olho" electrico. Nos quartos de banho não há banheiras nem duchas. Mostram-nos o mecanismo de um apparelho, que se poderia chamar o "lançador de nevoa", que projecta 90 por cento de ar comprimido e 10 por cento de agua tepida atomízada e reduzida á impalpavel nevoa. Esse agradável processo de tomar banho, elimina a necessidade de usar sabão. A cozinha é todo um laboratório. Ha relogios electricos que determinam o grau exacto da madurez das frutas e legumes; instrumentos que servem para a analyse instantanea do leite, do azeite, do vinho, etc. Mais adiante estão machinas de moer e picar vegetaes. O assado vae se fazendo de vagar, em frente de um apparelho electrico, cujo calor diminue á proporção que vae ficando prompto. E, claro está que todos os utensilios, roupas e vasilhames se lavam automaticamente e electricamente. 

Entre as coisas mais surpreendentes dessa casa maravilhosa, está a "camara de televisão". Numa das paredes vasta e polida se projectam imagens animadas de vulto e côr, que são teledifundidas pelas innumeras estações diffusoras de onda curta, no mundo inteiro. Não há motor que faça ruido em nosso auto, que desliza suavemente a 150 milhas horarias, com estabilidade perfeita. Provem a energia radioelectricamente de varias estações distantes, movidas a energia solar. De noite, as estradas ficam luminosas mercê de uma substancia chimica que conserva os raios do sol. Os carros tambem são luminosos, e não necessitam de pharóes. 

Os autogyros volvem de seus vôos e se encaminham aos hangares pela estrada, depois de haver dobrado azas e helices. De subito, uma colossal torrente de luz brota da terra até o aeroporto central. Momentos depois é ouvido um agudo sibilar de foguetes de motores lançados no espaço. É o expresso aereo Nova York-Melbourne, que voará dez horas na estratosphera, tanto os pilotos como os passageiros irão para a cama, pois a direcção é radio-automatica. 

As crias do gado se supprimiram. A carne se cultiva em laboratorios. É um liquido salgado e nutritivo, que faz as vezes de sangue. Os tecidos crescem rapidamente e dão uma consideravel producção de carne em circunstancias humanitarias e economicas ao mesmo tempo. Os cereaes crescem a toda velocidade, encerrados em caixas, illuminadas a raios ultravioleta. São elles alimentos para os epicuristas, pois a maior parte dos homens se reduziram a producto menos custosos como a cellulosa das arvores tropicaes, com a qual os chimicos preparam uma infinidade de succedaneos do pão, assucar e legumes. 

As epidemias e doenças causadas pelos microbios são coisas de uma idade passada, graças ao uso universal da bacterographia. Os esforços da sciencia se dirigem agora para prevenir os males. No campo da cirurgia, os enxertos não só de glandulas, senão de toda classe de membros chegou a ser praticamente corrente. Póde comprar-se um novo estomago ou pulmão e mudar-se o que não funccionar a contento... 



(*) Original do "Gringoire" de Paris, publicado na Folha da Noite, terça-feira, 12 de dezembro de 1933; mantida a grafia original)



(Ilustração: Yves Tanguy - January 5, 1900 – January 15, 1955; French surrealist painter)



segunda-feira, 5 de novembro de 2018

MARCHA FÚNEBRE, de Cassiano Ricardo







Quando às vezes escuto a música sombria

que ao ouvido me vem, qual “requiescat in pace”,

sinto a mágoa cruel de quem acreditasse

ser um pouco do que morreu no fim do dia.



A saudade, a amargura, a dúvida, a agonia

irrompem dentro em mim, num brusco desenlace,

e entre a dor que me fere e o som que me extasia

uma ideia, em meu ser contraditório, nasce.



A ideia de ser eu aquele por quem arde

a estrela que surgiu como um círio, na tarde.

Haverá quem nesta hora as coisas não confunda?



E vindo não sei de onde, e caminhando a esmo,

sob a minha visão, extática e profunda

lá vou eu conduzindo o enterro de mim mesmo.




(Ilustração: Zdzisław Beksiński)