segunda-feira, 5 de novembro de 2018

MARCHA FÚNEBRE, de Cassiano Ricardo







Quando às vezes escuto a música sombria

que ao ouvido me vem, qual “requiescat in pace”,

sinto a mágoa cruel de quem acreditasse

ser um pouco do que morreu no fim do dia.



A saudade, a amargura, a dúvida, a agonia

irrompem dentro em mim, num brusco desenlace,

e entre a dor que me fere e o som que me extasia

uma ideia, em meu ser contraditório, nasce.



A ideia de ser eu aquele por quem arde

a estrela que surgiu como um círio, na tarde.

Haverá quem nesta hora as coisas não confunda?



E vindo não sei de onde, e caminhando a esmo,

sob a minha visão, extática e profunda

lá vou eu conduzindo o enterro de mim mesmo.




(Ilustração: Zdzisław Beksiński)




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