domingo, 17 de março de 2024
A CHEGADA DE VIRGÍLO A BRINDÍSIO, de Herman Broch
quinta-feira, 14 de março de 2024
QUID FACIAT LAETAS SEGETES / O QUE DÁ VIÇO ÀS SEARAS ALEGRES (DAS GEÓRGICAS - ÉCLOGA I), de Virgílio
Quid faciat laetas segetes, quo sidere terram
uertere, Maecenas, ulmisque adiungere uites
conueniat, quae cura boum, qui cultus habendo
sit pecori, apibus quanta experientia parcis,
hinc canere incipiam. uos, o clarissima mundi 5
lumina, labentem caelo quae ducitis annum;
Liber et alma Ceres, uestro si munere tellus
Chaoniam pingui glandem mutauit arista
poculaque inuentis Acheloia miscuit uuis;
et uos, agrestum praesentia numina, Fauni, 10
ferte simul Faunique pedem Dryadesque puellae:
munera uestra cano; tuque o, cui prima frementem
fudit equum magno tellus percussa tridenti,
Neptune; et cultor nemorum, cui pinguia Ceae
ter centum niuei tondent dumeta iuuenci; 15
ipse nemus linquens patrium saltusque Lycaei
Pan, ouium custos, tua si tibi Maenala curae,
adsis, o Tegeaee, fauens, oleaeque Minerua
inuentrix, uncique puer monstrator aratri,
et teneram ab radice ferens, Siluane, cupressum: 20
dique deaeque omnes, studium quibus arua tueri
quique nouas alitis non ullo semine fruges
quique satis largum caelo demittitis imbrem.
tuque adeo, quem mox quae sint habitura deorum
concilia incertum est, urbisne inuisere, Caesar, 25
terrarumque uelis curam, et te maximus orbis
auctorem frugum tempestatumque potentem
accipiat cingens materna tempora myrto;
an deus immensi uenias maris ac tua nautae
numina sola colant, tibi seruiat ultima Thule, 30
teque sibi generum Tethys emat omnibus undis;
anne nouum tardis sidus te mensibus addas,
qua locus Erigonen inter Chelasque sequentis
panditur: ipse tibi iam bracchia contrahit ardens
Scorpios et caeli iusta plus parte reliquit; 35
quidquid eris (nam te nec sperant Tartara regem,
nec tibi regnandi ueniat tam dira cupido,
quamuis Elysios miretur Graecia campos
nec repetita sequi curet Proserpina matrem),
da facilem cursum atque audacibus adnue coeptis 40
ignarosque uiae mecum miseratus agrestis
ingredere et uotis iam nunc adsuesce uocari.
Vere nouo, gelidus canis cum montibus umor
liquitur et Zephyro putris se glaeba resoluit,
depresso incipiat iam tum mihi taurus aratro 45
ingemere et sulco attritus splendescere uomer.
illa seges demum uotis respondet auari
agricolae, bis quae solem, bis frigora sensit;
illius immensae ruperunt horrea messes.
ac prius ignotum ferro quam scindimus aequor, 50
uentos et uarium caeli praediscere morem
cura sit ac patrios cultusque habitusque locorum,
et quid quaeque ferat regio et quid quaeque recuset.
hic segetes, illic ueniunt felicius uuae,
arborei fetus alibi atque iniussa uirescunt 55
gramina. nonne uides croceos ut Tmolus odores,
India mittit ebur, molles sua tura Sabaei,
at Chalybes nudi ferrum uirosaque Pontus
castorea, Eliadum palmas Epiros equarum?
continuo has leges aeternaque foedera certis 60
imposuit natura locis, quo tempore primum
Deucalion uacuum lapides iactauit in orbem,
unde homines nati, durum genus. ergo age, terrae
pingue solum primis extemplo a mensibus anni
fortes inuertant tauri, glaebasque iacentis 65
puluerulenta coquat maturis solibus aestas;
at si non fuerit tellus fecunda, sub ipsum
Arcturum tenui sat erit suspendere sulco:
illic, officiant laetis ne frugibus herbae,
hic, sterilem exiguus ne deserat umor harenam. 70
Tradução de Arthur Rodrigues Santos:
O que dá viço às searas alegres, sob qual astro
deve-se a terra, Mecenas, volver e casar as videiras
com os olmeiros, quais cuidados ao boi e ao rebanho
são dispensados, quanta perícia às parcas abelhas:
eis o que agora celebro. Vós, ó luzeiros brilhantes 5
deste mundo, guiando no céu o ano que escoa;
Líber e Ceres nutriz, a terra, com a vossa anuência,
pôde trocar Caônias bolotas por trigo graúdo
e misturar o copo Aqueloio às uvas achadas;
vós também, propícios aos lavradores, ó Faunos, 10
vinde dançando, Faunos, ao lado das Dríades ninfas:
vossos dons eu celebro; e tu, que a terra fendeste
com teu tridente, donde surgiu o fogoso cavalo,
ó deus Netuno; e tu boscarejo, a quem uns trezentos
níveos vitelos pastam de Cea fecunda os arbustos; 15
tu, que abandonas o bosque natal e as Liceias clareiras,
Pã, guardião das ovelhas, se o Mênalo inda te agrada,
vem até mim, ó Tegeu, me apoia; e Minerva, dadora
das oliveiras, e o jovem inventor do arado recurvo,
tu também, ó Silvano, trazendo extirpado cipreste: 20
todos, deuses e deusas, vós que zelais pelos campos,
ora nutrindo os novos rebentos não semeados,
ora enviando do céu a forte chuva às sementes.
E, finalmente, tu, de quem não sabemos qual posto
vais ocupar entre os deuses: se queres, César, o zelo 25
pelas cidades e campos, e o vasto universo te acolha
como o pai dos frutos e das estações o regente,
já coroando a tua fronte com murta de Vênus materna;
ou te tornes o deus do imenso mar e os marujos
só o teu nume cultuem e a extrema Tule te sirva, 30
Tétis te quer como genro a preço de todas as ondas;
ou, novo astro, te somes aos meses mais vagarosos,
onde um espaço entre Erígone e as Quelas vizinhas
ora se abre: vê, já contrai suas garras o ardente
Escorpião e deixou-te no céu uma parte folgada; 35
Seja quem fores (não és esperado no mundo Tartáreo
nem te acometa o terrível desejo deste reinado,
mesmo que a Grécia tanto admire os Campos Elíseos
e Proserpina se furte a voltar com a mãe para cima),
fácil percurso me dá, consente o propósito ousado 40
e, compassivo comigo dos lavradores sem rumo,
vem até mim e já te acostuma a ouvir nossas preces.
A primavera revém, dos cândidos montes escorre
frio regato e o Zéfiro quebra o torrão ao seu sopro:
já me comece o touro a gemer no arado tanchado 45
e recupere seu brilho a relha atrita com sulcos.
Só corresponde aos votos do lavrador ansioso
campo que duas vezes sentiu o sol e a friagem;
sua imensa colheita acabou de romper os celeiros.
Antes, porém, de cortarmos com ferro um solo ignoto, 50
cumpre primeiro estudar o vento e o clima mutável,
a qualidade das terras e a prática antiga legada,
o que produz um lugar e também o que ele nos nega.
Trigo vai bem por aqui, por ali, as uvas vigoram,
mais além enverdecem o novo arvoredo e a selvagem 55
erva. Não vês que o Tmolo exporta açafrão perfumado,
Índia marfim, os Sabeus delicados seu típico incenso,
ferro das minas os Cálibes nus, o Ponto castóreo
nauseabundo e o Epiro vitórias das éguas em Élis?
A natureza impôs essas leis e contratos eternos 60
para lugares determinados assim que no mundo,
antes vazio, Deucalião lançou as suas pedras,
delas os homens nasceram, dura progênie. Ao trabalho!
Já no começo do ano, revolvam o gordo terreno
touros fortes, dessa forma as leivas expostas 65
sejam cozidas ao sol maturado do estio pulvéreo;
mas, sendo a terra pouco fecunda, basta somente
leve amanho de sulco no despontar do Arcturo:
lá, as ervas daninhas não tolhem messes alegres,
cá, não deserta a pouca umidade do seco terreno. 70
(Ilustração: autor desconhecido - ilustração do século XV para as éclogas de Virgílio)
segunda-feira, 11 de março de 2024
PABLITO CLAVÓ UN CLAVITO: UMA EVOCAÇÃO DO BAIXINHO ORELHUDO, de Mariana Enriquez
sexta-feira, 8 de março de 2024
MAR DE SARGAÇOS, de Geraldo Carneiro
no seu maremoto de sargaços
negros
na sua garganta minha
caravela
começa de novo nos quintais
vazios
a plantar canteiros no meio
da noite
nos seus alagados e no fim
de tudo
a cantar baladas de uma
estranha lua
entre os peixes mortos onde
algum corsário
a tramar batalhas no seu mar
profundo
recolhendo gritos nas suas
entranhas
vaga submerso a beber
escolhos
de outros naufrágios de
cristais marinhos
no seu mar profundo no meio
da noite
a beber escolhos de uma
estranha lua
a tramar batalhas nas suas
entranhas
onde algum corsário vaga
submerso
a cantar baladas nos seus
alagados
recolhendo gritos de outros
naufrágios
na sua garganta de cristais
marinhos
a plantar canteiros de
sargaços negros
nos quintais vazios no seu
maremoto
e no fim de tudo entre os
peixes mortos
começa de novo minha
caravela
(Ilustração: Egon
Schiele - Girl with Black Hair (Mädchen mit schwarzem Haar) c.1911)
terça-feira, 5 de março de 2024
DIÁRIOS, de Lúcio Cardoso(*)
sábado, 2 de março de 2024
ENTRE O CALOR DAS TUAS PERNAS, de Amadeu Kazunde
Entre o calor das tuas pernas
sobressai firme e vigorosa
numa atitude de lascívia
a rosa dos meus desejos.
E vejo em cada curva das
suas pétalas
milhões de gestos
provocantes
que me inundam o corpo
com milhões de riachos
prateados.
Entre o calor das tuas
pernas
desabrocha muda e
esperançosa
a rosa dos meus desejos.
Por ela vivo uma ânsia
profunda
de ver chegar o dia
em que me deliciarei diluído
no seu aroma inebriante.
E nesse dia,
milhões de forças gritantes
percorrerão o meu sangue
e galgarei sobre a montanha
sagrada
abrindo trilhos por entre o
mar de flores
penetrarei embriagado
nas cavernas negras e
alagadas
de paredes desejosas
e descarregarei
todo o meu furor bastante
sobre os recantos mais
profundos
dos subterrâneos
conquistados
do jardim afrodisíaco.
E então
regressarei flácido mas
ressuscitado
e sobre a montanha sagrada
dormirei um sonho profundo!
(As palavras amadurecem;
Moçambique)
(Ilustração: João Timane, artista plástico Moçambicano)
quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024
O BARBA DE OURO E A CARANTONHA, de Aluísio de Almeida
domingo, 25 de fevereiro de 2024
TO A MOUSE, ON TURNING HER UP NEST WITH THE PLOUGH / A UM CAMUNDONGO, AO REVIRÁ-LO NO SEU NINHO COM O ARADO, de Robert Burns
NOVEMBER 1785
I
Wee, sleekit, cowrin, tim’ beastie,
O, what a panic’s thy breastie!
Thou need na start awa sae hasty
Wi’ bickering brattle!
I wad be laith to rin an’ chase thee,
Wi’ mudering pattle!
II
I’m truly sorry man’s dominion
Has broken Nature’s social union,
An’ justifies that ill opinion
Wich makes thee startle
At me, thy poor, earth-born companion
An’ fellow mortal!
III
I doubt na, whyles, but thou may thieve;
What then? poor beastie, thou maun live!
A daimen icker in a thrave
’S a sma’ request;
I’ll get a blessin wi’ the lave,
An’ never miss’t!
IV
Thy wee-bit housie, too, in ruin!
Its silly wa’s the win’s are strewin!
An’ naething, now, to big a new ane,
O’ foggage green!
An’ bleak December’s win’s ensuing,
Baith snell an’ keen!
V
Thou saw fields laid bare an’ waste,
An’ weary winter comin fast,
An’ cozie here, beneath the blast,
Thou thought to dwell,
Till crash! the cruel coulter past
Out thro’ thy cell.
VI
That wee bit heap o’ leaves an’ stibble,
Has cost thee monie a weary nibble!
Now thou’s turned out, for a’ thy trouble,
But house or hald,
To thole the winter’s sleety dribble,
An’ cranreuch cauld!
VII
But Mousie, thou art no thy lane,
In proving foresight may be vain:
The beast-laid schemes o’ mice an’ men
Gang aft agley,
An’ lea’e us nought but grief an’ pain,
For promis’d joy!
VIII
Still thou art blest, compared wi’ me!
The present only touched thee:
But och! I backward cast me e’e,
On prospects drear!
An’ forward, tho’ I canna see,
I guess an’ fear!
Tradução de Luiza Lobo:
NOVEMBRO 1875
I
Suave, encolhido, tímido animalzinho,
Oh, que terror se aperta em teu peitinho!
Não precisas te precipitar
Em temerosa corrida!
Eu não desejava te arreliar e perseguir
Com enxadão assassino!
II
Sincero lastimo a humana dominação
A quebrar da Natureza a social união,
E a justificar tão má opinião
Que o faz saltar
Longe de mim, teu pobre companheiro
Terreno e mortal!
III
Não duvido, tu és o meu ladrão;
E então? animalzinho, precisas sobreviver!
Um grãozinho de milho num monte de grãos
É pequena requisição;
Será uma dádiva o que me deixares
Nunca sentirei o que me roubares!
IV
E tua casinhola, também em ruínas!
Seus tolos muros pelos ventos carregados!
E nada já para construir-te uma casa nova,
Mesmo de áspero capim!
E em dezembro, as invernais ventanias
Aparecem, cortantes e severas!
V
Tu viste os campos desertos, devastados,
E o árido inverno rápido chegado,
E, comodamente, sob os vendavais,
Aqui pensaste em habitar!
Até que um som cruel cortou numa fatia
Crash! A tua morada.
VI
Este feixe de folhas e restolhos,
Como te custou exaustivos bocados,
Agora foste expulso, apesar dos cuidados,
Sem abrigo nem casa ter,
A suportar chuvosa a fria geada,
E a terra sentir congelada!
VII
Mas camundonguinho, tu não estás sozinho
Ter precaução pode ser algo bem vão:
Os melhores planos de ratos e homens
Por vezes se arruínam
Deixando-nos imersos em tristeza e dor
Em lugar da prometida alegria!
VIII
És contudo feliz se comigo comparado!
Pois tão-somente o presente observas:
Enquanto eu, oh! quando para trás olho
Só planos frustrados enxergo!
E quando olho para frente nada vejo,
Senão maus augúrios, e estremeço!
(Robert Burns, 50 Poemas)