sexta-feira, 19 de abril de 2024

UM ÍNDIO, de Caetano Veloso

 




Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante

De uma estrela que virá numa velocidade estonteante

E pousará no coração do Hemisfério Sul, na América, num claro instante

Depois de exterminada a última nação indígena

E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida

Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias

Virá

Impávido que nem Muhammad Ali

Virá que eu vi

Apaixonadamente como Peri

Virá que eu vi

Tranquilo e infalível como Bruce Lee

Virá que eu vi

O axé do afoxé Filhos de Gandhi

Virá

Um índio preservado em pleno corpo físico

Em todo sólido, todo gás e todo líquido

Em átomos, palavras, alma, cor

Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som magnífico

Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico

Do objeto-sim resplandecente descerá o índio

E as coisas que eu sei que ele dirá, fará

Não sei dizer assim de um modo explícito

Virá

Impávido que nem Muhammad Ali

Virá que eu vi

Apaixonadamente como Peri

Virá que eu vi

Tranquilo e infalível como Bruce Lee

Virá que eu vi

O axé do afoxé Filhos de Gandhi

Virá

E aquilo que nesse momento se revelará aos povos

Surpreenderá a todos não por ser exótico

Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto

Quando terá sido o óbvio



(Ilustração: arte indígena – cocar; autoria não identificada)

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