quarta-feira, 28 de outubro de 2009

PRAGA, de Luís Fernando Veríssimo







Um índio, que até então nem sabia que era índio, estendeu a mão e ofereceu a Cristóvão Colombo um tomate.

- Um pomo d’oro! - exclamou o almirante, confundindo o fruto que brilhava ao sol da nova América com uma maçã selvagem. Depois examinou o fruto mais de perto e perguntou:

- Para o que serve?

- Saladas - respondeu o índio. - Refogados. Molhos.

- Para o espaguete! - exclamou Colombo, compreendendo por que o destino o trouxera até ali. Lembrando que seu nono, em Gênova, vivia elogiando Marco Polo por ter trazido o espaguete do Oriente e sua nona vivia dizendo que sim, o espaguete era bom, mas faltava alguma coisa. Sua missão estava revelada: numa só viagem, superara o Marco Polo do nono e descobrira o que faltava na macarronada da nona. Ficou com o tomate.

- O que você me dá em troca? - quis saber o índio.

Não se sabe que língua falavam. A linguagem mágica dos grandes encontros. Não interessa.

- Dou em troca um dos produtos supremos de nossa civilização. Uma preciosidade. Um dos frutos da indústria que breve chegará aqui e transformará este mato em outra Europa.

E Colombo deu uma miçanga ao índio.

Colombo perguntou que outra novidade o índio tinha para lhe dar. E o índio ofereceu uma batata.

- O que faremos com isto? - perguntou Colombo, olhando a feia batata com pouco entusiasmo.

O índio descreveu o futuro da batata, desde a sua importância na alimentação dos camponeses europeus em fomes ainda por vir até a “noisette” e as fritas. E Colombo botou a batata na algibeira e deu em troca uma moedinha de valor tão baixo, que em vez da cara mostra o joelho do rei. O que mais o índio tinha para lhe dar?

O fruto do cacaueiro, de onde sairia o chocolate. O índio descreveu o significado do chocolate para a história do mundo, especialmente da Suíça e da Bahia, e como seriam os bombons, e as barras recheadas com avelãs, e suspeita-se que tenha mencionado até a mousse. E Colombo trocou o cacau por um espelhinho. Que mais?

Fumo! Em breve, todos estariam experimentando as delícias do tabaco e o novo hábito dominaria o mundo. E para quem quisesse um barato ainda maior, o índio incluía a planta da coca junto com a planta do fumo em troca das contas que Colombo lhe oferecia. Que mais?

Milho. Aipim. Um papagaio.

- E isso que você tem no nariz? - perguntou Colombo, apontando para a argola de ouro.

- O que você me dá em troca?

Colombo ofereceu mais miçangas, que o índio não quis. Outra moedinha. Comprimidos. Vale transporte. Finalmente apontou sua pistola para a cabeça do índio e disse “Isto”. E disparou. Depois deu ordens a seus homens para recolher todo o ouro à vista, mesmo que tivessem que trazer os narizes juntos.

Do chão, antes de morrer, o índio amaldiçoou Colombo e praguejou. Que a batata tornasse a sua raça obesa, que o chocolate enchesse as suas artérias de colesterol, que o fumo lhe desse câncer, que a cocaína o enlouquecesse e que o ouro destruísse a sua alma. E que o tomate - pediu o índio aos céus, com seu último suspiro - se transformasse em ketchup e molho enlatado sem graça que estragasse o espaguete para todo o sempre. E assim aconteceu.




(OESP - 1.10.95)



(Ilustração: Andy Warhol)






2 comentários:

  1. olá,

    este poema é lindíssimo. tomei contato com ele há muito tempo, mas sempre gosto de lê-lo, nunca me canso... é verdadeiramente uma poesia

    obrigado por compartilhar

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  2. Essa crônica do L.F.V é bem reflexiva mesmo eim....que criatividade desse autor...fico inconformada d como pode sair tanta ideia boa pra escrever assim....rsrs

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