sexta-feira, 10 de julho de 2009

DOMINGO, de Rosário Fusco






Gosto de ouvir uma sanfona bem tocada...

Nem negros estradeiros na pinga, nem capinas, nem apanhas de café,

nem o chiar tristonho dos carros de bois descendo a encosta,

nem cantigas dolentes

de negras que lavam

nas lajes do rio.


Nem barulho, nem ruído. É o jogo de malha na estrada limpinha

sem perigo de Fordes, e o buso, e a bisca, e o marimbo no alpendre,

com o administrador da fazenda;

e o café lavadinho secando no terreiro - que é um gosto se vê,

e o latir brabo dos cachorros caseiros, dos cachorros que latem

quando passam estrangeiros à beira da estrada.


Nem o "eia" imperativo dos carreiros peitudos carreando,

nem jardins, nem cinema, nem o rádio fanhoso da gente da cidade...

Mas a sanfona dolente que enche de desejo o sangue dos mulatos,

mas o vento musgueiro dos arrozais loiros, cacheando,

mas a visita das moças da cidade, moças esganadas por frutas,

moças que linham com a gente só por causa de mexericas graúdas...

Este é o meu domingo.

Domingo mineiro, domingo bom, domingo da fazenda

onde passei minha infância...


Nem trabalho, nem ruídos, nem o tinir das lampianas,

nem o aboio triste dos vaqueiros, nem tocaias, nem brigas,

nem capoeiradas, nem nada...

Mas a alegria e o descanso das obrigações cumpridas

e o riso-criança da satisfação das coisas...




(Revista Verde, Cataguases, 1927)



(Ilustração: Bernadeth Rocha - varanda na roça)


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