domingo, 26 de julho de 2009

A APOSTA DE PASCAL, de Richard Dawkins






O grande matemático francês Blaise Pascal achava que, por mais improvável que fosse a existência de Deus, há uma assimetria ainda maior na punição por errar no palpite. É melhor acreditar em Deus, porque se você estiver certo poderá ganhar o júbilo eterno, e se estiver errado não vai fazer a menor diferença. Por outro lado, se você não acreditar em Deus e estiver errado, será amaldiçoado para todo o sempre, e se estiver certo não vai fazer diferença. Pensando assim, a decisão é óbvia. Acredite em Deus.

Há, porém, alguma coisa claramente esquisita no argumento. Acreditar não é uma coisa que se possa decidir, como se fosse uma questão política. Não é pelo menos coisa que eu consiga decidir por vontade própria. Posso decidir ir à igreja e posso decidir recitar a novena, e posso decidir jurar sobre uma pilha de Bíblias que acredito em cada palavra escrita nelas. Mas nada disso pode realmente me fazer acreditar se eu não acreditar. A aposta de Pascal só poderia servir de argumento para uma crença fingida em Deus. E é melhor que o Deus em que você alega acreditar não seja do tipo onisciente, senão ele vai saber da enganação. A idéia absurda de que acreditar é uma coisa que se pode decidir fazer é deliciosamente ridicularizada por Douglas Adams em Dirk Gently’s Holistic Detective Agency, em que somos apresentados ao Monge Elétrico, um dispositivo muito prático que se compra para “acreditar por você”. O modelo de luxe é anunciado como “capaz de acreditar em coisas que ninguém em Salt Lake City acreditaria”. 

Mas por que, então, estamos tão dispostos a aceitar a idéia de que o que é imprescindível fazer, se se quiser agradar a Deus, é acreditar nele? O que há de tão especial em acreditar? Não é igualmente provável que Deus recompense a bondade, ou a generosidade, ou a humildade? Ou a sinceridade? E se Deus for um cientista que considera a busca honesta pela verdade a virtude suprema? Aliás, o projetista do universo não teria de ser um cientista? Perguntaram a Bertrand Russell o que ele diria se morresse e se visse confrontado por Deus, exigindo saber por que Russell não acreditava nele. “Não havia provas suficientes, Deus, não havia provas suficientes”, foi a resposta (eu quase diria imortal) de Russell. Deus não respeitaria Russell por seu ceticismo corajoso (sem contar pelo pacifismo corajoso que o colocou na prisão durante a Primeira Guerra Mundial), bem mais do que respeitaria Pascal por sua aposta cautelosa e covarde? E, embora não tenhamos como saber de que lado Deus ficaria, não precisamos saber para refutar a aposta de Pascal. Estamos falando de uma aposta, lembre-se, e Pascal não estava defendendo que a dele tivesse qualquer coisa além de uma probabilidade muito remota. Você apostaria que Deus valorizaria mais uma crença fingida e desonesta (ou mesmo uma crença honesta) que o ceticismo honesto? 

Suponha que o deus que o confrontar quando você morrer seja Baal, e suponha que Baal seja tão invejoso quanto disseram que era seu velho rival Javé. Não seria melhor que Pascal não tivesse apostado em deus nenhum, em vez de apostar no deus errado? O próprio número de deuses e deusas em potencial em que se poderia apostar não corrompe toda a lógica de Pascal? Pascal estava provavelmente brincando quando promoveu sua aposta, assim como estou brincando para descartá-la. Mas já encontrei gente, por exemplo na sessão de perguntas depois de uma palestra, que apresentou seriamente a aposta de Pascal como um argumento a favor da crença em Deus, por isso tive motivos para dar a ela um breve espaço aqui. 

Será possível, por fim, argumentar em busca de uma espécie de antiaposta de Pascal? Imagine que assumamos que realmente haja uma pequena chance de Deus existir. Mesmo assim, seria possível dizer que você terá uma vida melhor, mais plena, se apostar na sua inexistência, e não na sua existência, para não desperdiçar seu tempo precioso adorando-o, sacrificando-se em nome dele, lutando e morrendo por ele etc. Não responderei à pergunta aqui, mas os leitores poderão mantê-la na mente quando chegarmos aos capítulos posteriores, sobre as consequências malévolas que podem se originar da crença e da observância religiosa. 




(Deus, um Delírio; tradução de Fernanda Ravagnani)




(Ilustração: Guy Baron - le jardin bleu)

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