sábado, 29 de agosto de 2009

RHAPSODY ON A WINDY NIGHT / RAPSÓDIA SOBRE UMA NOITE DE VENTO, de T. S. Eliot








Twelve o'clock.

Along the reaches of the street

Held in a lunar synthesis,

Whispering lunar incantations

Dissolve the floors of memory

And all its clear relations,

Its divisions and precisions,

Every street lamp that I pass

Beats like a fatalistic drum,

And through the spaces of the dark

Midnight shakes the memory

As a madman shakes a dead geranium.



Half-past one,

The street lamp sputtered,

The street lamp muttered,

The street lamp said, "Regard that woman

Who hesitates towards you in the light of the door

Which opens on her like a grin.

You see the border of her dress

Is torn and stained with sand,

And you see the corner of her eye

Twists like a crooked pin."



The memory throws up high and dry

A crowd of twisted things;

A twisted branch upon the beach

Eaten smooth, and polished

As if the world gave up

The secret of its skeleton,

Stiff and white.

A broken spring in a factory yard,

Rust that clings to the form that the strength has left

Hard and curled and ready to snap.



Half-past two,

The street lamp said,

"Remark the cat which flattens itself in the gutter,

Slips out its tongue

And devours a morsel of rancid butter."

So the hand of a child, automatic,

Slipped out and pocketed a toy that was running along the quay.

I could see nothing behind that child's eye.

I have seen eyes in the street

Trying to peer through lighted shutters,

And a crab one afternoon in a pool,

An old crab with barnacles on his back,

Gripped the end of a stick which I held him.



Half-past three,

The lamp sputtered,

The lamp muttered in the dark.



The lamp hummed:

"Regard the moon,

La lune ne garde aucune rancune,

She winks a feeble eye,

She smiles into corners.

She smoothes the hair of the grass.

The moon has lost her memory.

A washed-out smallpox cracks her face,

Her hand twists a paper rose,

That smells of dust and old Cologne,

She is alone

With all the old nocturnal smells

That cross and cross across her brain."

The reminiscence comes

Of sunless dry geraniums

And dust in crevices,

Smells of chestnuts in the streets,

And female smells in shuttered rooms,

And cigarettes in corridors

And cocktail smells in bars."



The lamp said,

"Four o'clock,

Here is the number on the door.

Memory!

You have the key,

The little lamp spreads a ring on the stair,

Mount.

The bed is open; the tooth-brush hangs on the wall,

Put your shoes at the door, sleep, prepare for life."


The last twist of the knife.




Tradução de Ivan Junqueira:


Meia noite.

Uma síntese lunar captura

Todas as fases da rua,

Sussurrantes sortilégios lunares

Dissolvem os planos da memória

E todas as suas límpidas tramas,

Divisões e precisos mecanismos.

Cada lampião que ultrapasso

Pulsa como um tambor fatídico,

E através das lacunas do escuro

A meia noite golpeia a memória

Como um louco brande um gerânio morto.


Uma e meia,

O lampião cuspia,

O lampião resmungava,

O lampião dizia: “Olha aquela mulher

Ao teu encontro hesitante à luz da porta

Que a recorta como um riso escarninho.

Repara-lhe a barra do vestido

Rasgada e suja de areia,

E o canto de seu olho que se arqueia

Como um grampo retorcido.”


A memória expele e disseca

Um turbilhão de coisas tortas;

Um ramo tortuoso sobre a praia

Polidamente carcomido e cinzelado

Como se o mundo erguesse à superfície

O segredo de seu esqueleto,

Rígido e alvadio.

A mola espatifada no pátio de uma fábrica,

A ferrugem que se aferra à forma

Que a força deixou tensa e enrodilhada

E pronta a abocanhar com uma dentada.


Duas e meia,

O lampião dizia:

“Observa o gato que na calha se adelgaça,

Espicha a sua língua e saboreia

Um naco rançoso de manteiga.”

Tal a mão do menino, automática,

Surrupiou e embolsou um brinquedo

Que ao longo do cais deslizava.

Eu nada podia ver atrás dos olhos do menino.

Tenho visto pela rua olhos que tentam

Emergir por entre iluminadas persianas,

E certa tarde um caranguejo vi na lama,

Um velho caranguejo em sua carcaça calcária

A agarrar-se à ponta do graveto que eu sustinha.


Três e meia,

O lampião cuspia,

O lampião no escuro resmungava,

O lampião zumbia:

“Olha a lua,

La lune ne garde aucune rancune.

Pisca um olho tímido,

Sorri pelas esquinas.

Alisa os cabelos de gramínea.

A lua perdeu a memória.

Bexigas descoradas ulceram-lhe a face.

Suas mãos retorcem uma rosa de papel

Que recende a pó e água de colônia.

Ela está só, em companhia

De todos os antigos eflúvios noturnos

Que lhe cruzam e entrecruzam o cérebro.”

Aflora a reminiscência

De secos gerânios pálidos

E de poeira nas frinchas,

Aroma de castanhas pela rua,

E odor de fêmea nas alcovas clandestinas,

E de cigarros pelos corredores

E de coquetéis nos bares.


O lampião disse:

“Quatro horas,

Eis o número sobre a porta.

Memória!

Tens a chave,

A luminária alastra um círculo na escada.

Sobe.

A cama é franca; a escova de dentes da parede pende,

Põe teus sapatos junto à porta, dorme, para vida te talha.”


O último talho da navalha.




(Poesia)

(Ilustração: Walter Sickert)



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