segunda-feira, 10 de agosto de 2009

A MENINA E A FLOR, de Eliana Iglésias








A menina passou cheia de trejeitos, fricotes, recendendo a sexo. Gravou seu nome no tronco da árvore. Podia sentir cada fincada de seu canivete, como se o tronco daquela árvore fosse o meu próprio. De repente, despenca uma flor lá do alto e cai, certeira, nas mãos dela. Era como se a pobre árvore dissesse: “Você me ferindo... eu lhe dando uma flor”.

Morria de amores por ela. Nunca me notara. Também, pudera! Era fraco, feio, e de quebra, cego.

E a menina... Ah, a menina!... Tinha um olhar morno, dissimulado... Sua boca carnuda parecia implorar sempre pelo mesmo... Sexo...Sexo...Sexo.

- Por que maltrata a árvore?

Ela não responde, continua a tarefa. Nem me nota, nunca notou. É imperioso! Tenho que tocá-la, com a ponta dos dedos, mas tenho!

- Tire suas mãos de mim, cego!

- Você a fere... e ela ainda tem uma flor para você.

Estouvada, pisa na flor, depois de amassá-la entre os dedos.

- Faço o mesmo com você, inútil!

Ela se vai, faceira, requebrando, fazendo barulhinho em seus balangandãs.
Que diabo de menina que tanto enfeitiça. Trata-me tão mal! Que idade pode ter? Idade para ser possuída. Quero penetrá-la, sugar-lhe os ossos, lamber seu umbigo do avesso. Minha língua quente toca-lhe a vulva. Ela grita e geme, querendo mais. Safada! Meu membro teso arde de vontade. Penetrá-la. Ela não quer. Só quer a língua. Penetrá-la.

- A língua, bobalhão!

Rompo-lhe as entranhas, vou até o útero.

- A língua, a língua! – ela dá na minha cara.

Caio, exausto. A menina joga-se no chão, saia levantada. Não tem calcinhas. Nunca usou, a safada!

- Anda! De novo!

- De novo, o quê?

Posta-se de quatro aos meus pés.

O bar está lotado por essas horas. O único bar da cidade. Tudo ali é antigo, eternizado... Até meu amor por ela. Janelas enormes... meu desejo por ela... mobiliário do início do século e um santo barroco no bar “São Se-bar-stião”, que dá nome ao próprio. Máquina de música, moderna. Música de máquina, antiga. E cafona. Escolhida por alguém, sem gosto. Conheço quem. O Zeca. Esse mau gosto para música é dele só. Há muito mais gente na cidade. Mas é dele que ela gosta, a menina que recende a sexo, que guarda canivete numa bolsa chué, que maltrata árvores, menina malvada, que não dá pra mim, que gosta do Zeca, que não tem gosto pra nada, nem pra música. Como pôde, o Zeca, garimpar pedra tão rara?

Ah, eu teria dançado um xote com ela, sentido suas coxas, cada milímetro delas e sua fenda gigante, que dá pra engolir um homem inteiro. Um gole de cachaça, ganho coragem e entro todo em sua racha. Com calma, como num ritual, separo-lhe as pernas e vou entrando, como quem entra na casa de quem se gosta. Entrando, por aquele corredor fantástico e morno, querendo ficar ali para sempre.

Ela não quer minhas mãos, só a língua. Minha língua tem medida certa, calor e ritmo certos, para o gozo dela. E o gozo dela parece não ter fim... três... quatro... quarenta vezes... que importa. Ela nem sabe, mas o seu gozo é o meu. Gozo com ela, gozo por ela, porque sei que tenho algo que a completa.

- Anda, cego, vai, a língua em mim, infeliz!

Hoje, ele não consegue! O Zeca, não. Ela está plena. Está com nojo dele. Afasta sua boca. Ele sua muito. Está ansioso. Meu Deus, por que assim, um homem com tanta pressa? Um homem que não é dócil? Que não tem uma flor para dar?

Minha flor é minha língua. Ela quer minha flor. Fosse por ela, teria cortado a flor com seu canivete, levando para casa. Por ela, eu me deixaria cortar... que importa. Também quero algo que seja dela, a calcinha. Por que não me dá? Mas, se ela não usa, a safada!

- Sai da frente, cego!

Esbarro no batente da porta e verifico que mesmo assim, esquálida, tem força a menina. Mais que isso, determinação. O que há de querer à uma hora dessas? Sexo, é claro. Sinto-lhe o vestido. Tem flores. Eles dançam. Por que tem que ser o Zeca? Ela o escolheu, é claro. Só faz o que quer. Voluntariosa. Maltrata as árvores. Eu faço o que ela quiser. O Zeca, idem. Dançam. As flores do vestido colam no corpo da menina. As flores do vestido não caem. A flor da árvore, que ela maltrata com seu canivete, cai. A árvore lhe dá sua flor, eu lhe dou a minha flor, e ela gira com todas, em seu vestido de flores, gira em suas flores e não dá para mim. O Zeca, truculento, terá as flores do vestido e a flor da menina. Parece nem se importar, quando arranca-lhe a roupa e enterra-lhe o pênis. Cai o vestido, derreado, a menina junto com ele.

- Ele está aqui, bota ele pra fora, acaba com ele, cego nojento!

- Ele não vê nada, tesão, deixa o coitado!

- Acaba com ele!

O brutamontes eleva-me aos ares. Sinto os ossos moerem, o pulmão grudar-me às costelas. Uma avalanche de ar espreme-se por uma greta, e a dor é tanta, que parece que vim ao mundo agora. O pulmão continua pregado. O ar não entra. Tem um buraco no lugar do estômago. Tudo obra do Zeca.

- É covardia, tesão, vem, vamo fudê em outro canto!

O sol da alvorada vem com um brilho suave e morno. Vem aos pouquinhos, lânguido, como deve ser e vai aquecendo todas as coisas e criaturas. Os pássaros estremecem, arrepiando suas penas para que nelas, entre o sol da manhã. As folhas despertam e põe suas gotas de orvalho a serviço desse mesmo sol, no compasso das lavadeiras, que estendem suas roupas para quarar.

Apodreço sob a árvore, ninguém para olhar por mim. Eu também, nunca pude olhar ninguém. Bendita cegueira, que não me fez ver a própria feiúra. Como sei? Minha mãe foi meu espelho: “Eta moleque, mais feio que fiofó de mula!”.

Lá vem a menina, em seus balangandãs. Já não consigo ouvir-lhe os guizos, mas posso sentir-lhe o cheiro. Recende a sexo. Ainda há de querer minha flor? Seu gemido, sua vulva, seu sabor, guardo nas entranhas. Isso, ela não me toma!

Tira o canivete da bolsa desbotada e crava seu nome na árvore. Nem me vê. A árvore lança-lhe uma flor, que cai, certeira, em suas mãos. Arrasto-me. Nem me nota. É imperioso, tenho que tocá-la, ainda que de leve, quase que morto.

Ela empurra-me com o pé, passa a flor em sua fenda e a mete em minha boca.

- Sai pra lá, cego, inútil!

Ela se vai, faceira, requebrando, fazendo barulhinho em seus balangandãs.


(Fantasia de Eros)


(Ilustração: Tertia du Toi)





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