sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A ESCOLA, de Manuel Antônio de Almeida








Foi o barbeiro recebido na sala, que era mobiliada por quatro ou cinco longos bancos de pinho sujos já pelo uso, uma mesa pequena que pertencia ao mestre, outra maior onde escreviam os discípulos, toda cheia de pequenos buracos para os tinteiros; nas paredes e no teto havia penduradas uma porção enorme de gaiolas de todos os tamanhos e feitios, dentro das quais pulavam e cantavam passarinhos de diversas qualidades: era a paixão predileta do pedagogo.

Era esse um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava óculos, tinha pretensões de latinista, dava bolos nos discípulos por dá cá aquela palha. Por isso era uma dos mais acreditados da cidade. O barbeiro entrou acompanhado pelo afilhado, que ficou um pouco escabreado à vista do aspecto da escola, que nunca tinha imaginado. Era em um sábado; os bancos estavam cheios de meninos, vestidos quase todos de jaquetas ou robissões de lila, calça de brim escuro e uma enorme pasta de couro ou papelão pendurada por um cordel a tiracolo: chegaram os dois exatamente na hora da tabuada cantada. Era uma espécie de ladainha de números que se usava então nos colégios, cantada todos os sábados em uma espécie de cantochão monótono e insuportável, mas de que os meninos gostavam muito.

As vozes dos meninos, jutas ao canto dos passarinhos, faziam uma algazarra de doer os ouvidos; o mestre, acostumado àquilo, escutava impassível, com uma enorme palmatória na mão, e o menor erro que algum dos discípulos cometia na lhe escapava no meio de todo o barulho; fazia parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido, e cascava-lhe pelo menos seis puxados bolos. Era o regente da orquestra ensinando a marcar o compasso. O compadre expôs, no meio do ruído, o objeto de sua visita, e apresentou o pequeno ao mestre.

- Tem muito boa memória; soletra já alguma coisa, não lhe há de dar muito trabalho, disse com orgulho.

- E se mo quiser dar, tenho aqui o remédio; Sancta ferula! disse o mestre brandindo a palmatória.

O compadre sorriu-se, querendo dar a entender que tinha percebido o latim.

- É verdade: faz santos até as feras, disse traduzindo.

O mestre sorriu-se da tradução.




(Memórias de um Sargento de Milícias)


(Ilustração: Balthus)




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