quarta-feira, 16 de setembro de 2009

RESPONSO, de Cesário Verde









I

Num castelo deserto e solitário,
Toda de preto, às horas silenciosas,
Envolve-se na pregas dum sudário
E chora como as grandes criminosas.

Pudesse eu ser o lenço de Bruxelas
Em que ela esconde as lágrimas singelas.

II

É loura como as doces escocesas,
Duma beleza ideal, quase indecisa;
Circunda-se de luto e de tristezas
E excede a melancólica Atermisa.

Fosse eu os seus vestidos afogados
E havia de escutar-lhe os seus pecados.

III

Alta noite, os planetas argentados
Deslizam um olhar macio e vago
Nos seus olhos de pranto marejados
E nas águas mansíssimas do lago.

Pudesse eu ser a Lua, a Lua terna,
E faria que a noite fosse eterna.

IV

E os abutres e os corvos fazem giros
De roda das ameias e dos pegos,
E nas salas ressoam uns suspiros
Dolentes como as súplicas dos cegos.

Fosse eu aquelas aves de pilhagem,
E cercara-lhe a fronte, em homenagem.

V

E ela vaga nas praias rumorosas,
Triste como as rainhas destronadas,
A contemplar as gôndolas airosas,
Que passam, a giorno iluminadas.

Pudesse eu ser o rude gondoleiro
E ali é que fizera o meu cruzeiro.

VI

De dia, entre os veludos e entre as sedas,
Murmurando palavras aflitivas,
Vagueia nas umbrosas alamedas
E acarinha, de leve, as sensitivas.

Fosse eu aquelas árvores frondosas,
E prendera-lhe as roupas vaporosas.

VII

Ou domina, a rezar, no pavimento
Da capela onde outrora se ouvia missa,
A música dulcíssima do vento
E o sussurro do mar, que se espreguiça.

Pudesse eu ser o mar e os meus desejos
Eram ir borrifar-lhe os pés com beijos.

VIII

E às horas do crepúsculo saudosas,
Nos parques com tapetes cultivados,
Quando ela passa curvam-se amorosas
As estátuas dos seus antepassados.

Fosse eu também granito e a minha vida
Era vê-la a chorar arrependida.

IX

No palácio isolado como um monge,
Erram as velhas almas dos precitos,
E nas noites de Inverno ouvem-se ao longe
Os lamentos dos náufragos aflitos.

Pudesse eu ter também uma procela
E as lentas agonias ao pé dela.

X

E às lajes, no silêncio dos morteiros,
Ela conta o seu drama negregado,
E o vasto carmesim dos reposteiros
Ondula como um mar ensanguentado.

Fossem aquelas mil tapeçarias
Nossas mortalhas quentes e sombrias.

XI

E assim passa, chorando, as noites belas,
Sonhando uns tristes sonhos doloridos,
E a refletir nas góticas janelas
As estrelas dos céus desconhecidos.

Pudesse eu ir sonhar também contigo
E ter as mesmas pedras no jazigo.

. . . . . . . .

XII

Mergulha-se em angústias lacrimosas
Nos ermos dum castelo abandonado,
E as próximas florestas tenebrosas
Repercutem um choro amargurado.

Uníssemos, nós dois, as nossas covas,
Ó doce castelã das minhas trovas!


Março, 1874


(O Livro de Cesário Verde)



(Ilustração: Leonor Fini - mulher na porta)



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