segunda-feira, 1 de junho de 2009

O RISO E A PROSTITUIÇÃO, de Lautréamont













Durante toda a minha vida vi os homens, de ombros estreitos, fazerem, sem uma única exceção, atos estúpidos e numerosos, embrutecerem os seus semelhantes e perverterem as almas por todos os meios. Aos motivos das suas ações chamam glória. Ao ver esses espetáculos, quis rir como os outros; mas isso, estranha imitação, era impossível. Peguei num canivete, cuja lâmina tinha um afiado gume, e rasguei a carne nos sítios onde os lábios se reúnem. Por um momento julguei ter atingido o objetivo. Contemplei num espelho esta boca ferida por minha própria vontade! Era um erro! O sangue que abundantemente corria dos dois ferimentos não deixava aliás distinguir bem se era realmente aquele o riso dos outros. Mas, após alguns instantes de comparação, vi claramente que o meu riso não se assemelhava ao dos humanos, que eu não ria.



(...)



Fiz um pacto com a prostituição para semear a desordem nas famílias. Recordo-me da noite que precedeu essa perigosa ligação. Vi um túmulo à minha frente. Ouvi um pirilampo, tão grande como uma casa, que me disse: "Vou alumiar-te. Lê a inscrição. Não é de mim que vem esta ordem suprema". Uma vasta luz cor de sangue, em face da qual me bateram os dentes e me caíram, inertes, os braços, espalhou-se nos ares até ao horizonte. Eu encostei-me a um muro em ruínas, pois estava quase a cair, e li: "Aqui jaz um adolescente que morreu de mal do peito: bem sabeis por quê. Não oreis por ele". Talvez muitos homens não tivessem tido a coragem que eu tive. Enquanto isso, veio uma bela mulher nua deitar-se-me aos pés. E eu, para ela, de rosto triste: "Podes levantar-te". Estendi-lhe a mão com que o fratricida corta o pescoço à irmã. E disse-me o pirilampo: "Pega numa pedra e mata-a.” – “Por quê?", disse-lhe eu. E ele: "Toma cuidado contigo, tu és mais fraco, porque eu sou o mais forte. Esta chama-se Prostituição". De lágrimas nos olhos e raiva no coração, senti nascer em mim uma força desconhecida. Peguei numa grande pedra; depois de muitos esforços, ergui-a a custo à altura do peito; coloquei-a em cima do ombro com os braços. Subi a uma montanha até ao alto: dali, esmaguei o pirilampo. A cabeça enterrou-se-lhe na terra à profundidade da altura de um homem; a pedra ressaltou até à altura de seis igrejas. Foi cair num lago, cujas águas baixaram por um instante, revirando-se, cavando um imenso cone invertido. A calma voltou à superfície; a luz de sangue deixou de brilhar. "Oh!, gritou a bela mulher nua, que fizeste?" E eu para ela: "Prefiro-te a ele, porque tenho piedade dos infelizes. Não tens culpa por a justiça eterna te ter criado". E ela: "Virá o dia em que os homens me farão justiça; não te digo mais nada. Deixa-me partir, para ir esconder no fundo do mar a minha tristeza infinita. Só tu e os monstros repelentes que fervilham nesses negros abismos me não desprezam. Tu és bom. Adeus, a ti que me deste amor!" E eu para ela: "Adeus! Mais uma vez: adeus! Hei de amar-te sempre!... A partir de hoje abandono a virtude".





(Cantos de Maldoror)



(Ilustração: Anthony Christian - erotic self portrait)


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