sexta-feira, 18 de junho de 2021

A LUA BRASILEIRA, de Maria Firmina dos Reis (*)

 






Oferecida ao Ilmo. Sr. Dr. Adriano Manoel Soares.

Tributo de amizade e gratidão.



É tão meiga, tão fagueira,

Minha lua brasileira;

É tão doce, e feiticeira,

Quando airosa vai nos céus;

Quando sobre almos palmares,

Ou sobre a face dos mares,

Fixa, nívea, seus olhares,

Qu'enfeitiçam os olhos meus;



Quando traça na campina

Larga fita diamantina;

Quando sobre a flor marina,

Esparge seu níveo albor;

Quando manda brandamente

Sobre a campina virente,

Seu fulgir alvinitente,

O seu mágico esplendor;



Quando sobre a fina areia,

Que a onda beijar anseia

Molemente ela passeia,

Desdobrando alvo lençol;

Quando ao fim da tarde amena

Ressurge pura e serena,

Disputando nessa cena,

Primores co'o rubro sol;



Oh! eu sinto então meu peito,

A tanto encanto sujeito,

Tão comovido, e desfeito,

Por um sublime sentir,

Que dos ares n'amplidão,

Vagueia a imaginação,

Qual se me fora condão,

Outros mundos descobrir!



Podem outros seus encantos

Ver também, beber seus prantos,

Por seus vales, e recantos,

Por suas veigas, em flor;

Podem vê-la sobre os montes,

Trepando nos horizontes,

A retratar-se nas fontes,

C'roada de níveo albor;



Lá n'outros mundos; ─ mas, bela

Assim branca, assim singela,

Como pálida donzela,

Que geme na solidão;

Assim pura, acetinada,

Como flor na madrugada

Pelo rocio beijada,

Com mimo, com devoção;



Assim virgem na frescura,

Com tão maga formosura,

Percorrendo essa planura

De nossos formosos céus,

Isso não: Assim ninguém

Mimosa, leda, inocente,

Assim formosa, indolente,

Permitiu-nos vê-la Deus!



Quem não ama vê-la assim,

C'a candidez do jasmim,

Espargindo amor sem fim,

Na terra de Santa Cruz!

Quem não ama entusiasmado

Da noite o astro nevado,

Que, co'o rosto prateado,

Tão meigamente seduz!?!



Quem não sente uma saudade,

Vendo a lua em fresca tarde,

Branca ─ em plena soledade,

Vagar nos campos dos céus!

Quem não gera com fervor,

No peito em que ergue a dor,

Um hino sacro de amor,

Um hino eterno ao seu Deus!?...



Eu por mim amo-te, oh bela,

Que semelhas a donzela,

Com roupas de branca tela,

Com traços de fino albor.

Que vai pura aos pés do altar

Por muito saber amar,

Ao terno amado jurar,

Lealdade ─ fé ─ e amor.



Amo ver-te assim fagueira,

Minha lua brasileira,

Qual menina lisonjeira,

Que promete, e foge e ri;

E depois, inda voltando,

Vem com beijinhos pagando,

Aquele a quem se furtando,

De novo a chamara a si.



Assim, lua, teus encantos

Inspiram mimosos cantos:

Chora sobre mim teus prantos,

Vertidos na solidão!

Tens em mim, lua querida,

Uma amiga enternecida,

Que aninha n'alma sentida

Muita dor ─ muita aflição.



Só teus raios prateados,

Teus inocentes agrados,

Teus suspiros magoados,

Modificam tanta dor.

Vem pois com tuas carícias

Infundir brandas delícias,

E com suaves blandícias

Entusiasmar-me de amor.



(*) Publicado originalmente no "Semanário Maranhense", 1/3/1868, ano I, número 27, páginas 7 (segunda e terceira colunas) e 8 (primeira coluna).



(Ilustração: Inês Peres - Lua cheia)



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