sábado, 3 de março de 2018

LUA NOVA, de Rui de Noronha






“Quenguêlêquêze!... “Quenguêlêquêze!... (Lua Nova)



Surgia a lua nova,

E a grande nova



— Quenguêlêquêze!...— ia de boca em boca

Traçando os rostos de expressões estranhas,

Atravessando o bosque, aldeias e montanhas,

Numa alegria enorme, uma alegria louca,



Loucamente,

Perturbadoramente...



Danças fantásticas

Punham nos corpos vibrações elásticas,

Febris,

Ondeando ventres, troncos nus, quadris...



E ao som de palmas

Os homens, cabriolando,

Iam cantando

Medos de estranhas vingativas almas,

Guerras antigas

Com destemidas impias inimigas

— obscenidades claras, descaradas,

Que as mulheres ouviam com risadas

Ateando mais e mais

O rítmico calor das danças sensuais.



“Quenguêlêquêze!... Quenguêlêquêze!...”



Uma mulher de vez em quando vinha,

Coleava a espinha,

Gingava as ancas voluptuosamente,

E diante do homem, frente a frente,

Punham-se os dois a simular segredos...

— Nos arvoredos

Ia um murmúrio eólico

Que dava à cena, à luz da lua, um que diabólico...



“Quêze!.Quenguêlêquêze!...”



... Entanto uma mulher saíra sorrateira

Com outra mais velhinha;

Dirigiu-se na sombra à montureira,

Com uma criancinha.

Fazia escuro e havia

Ali um cheiro estranho

A cinzas ensopadas,

Sobras de peixe e fezes de rebanho

Misturadas...O vento, perpassando a cerca de caniço,

Trazia para fora o ar abafadiço,

Um ar de podridão...

E as mulheres entravam com um tição:

E enquanto a mais idosa

Pegava na criança e a mostrava à lua

Dizendo-lhe: “Olha, é a lua”,

A outra, erguendo a mão,

Lançou direito à lua a acha luminosa.

— O estrepitar de palmas foi morrendo...

E a lua foi crescendo... foi crescendo...

Lentamente...

Como se fora em brando e afogado leito

Deitaram a criança, revolando-a,

Ali na imunda podridão, no escuro,

Lhe deu o peito...



Então, o pai chegou,

Cercou-a de desvelos,

De manso a conduziu p’los cotovelos,

Tomou-a nos seus braços e cantou

Esta canção ardente:



“Meu filho, eu estou contente!

Agora já não temo que ninguém

Mofe de ti na rua,

E diga, quando errares, que tua mãe

Te não mostrou a lua!



Agora tens abertos os ouvidos

Para tudo compreender;

Teu peito afoitará, impávido, os rugidos

Das feras, sem tremer...

Meu filho, estou contente!

Tu és agora um ser inteligente,

E assim hás-de crescer, hás-de ser homem forte



Até que já cansado

Um dia muito velho

De filhos, rodeado,

Sentido já dobrar–se o teu joelho

Virá buscar-te a Morte...

Meu filho, eu estou contente!

Agora, sim, sou pai!...”



Na aldeia, lentamente,

O estrepitar das palmas foi morrendo...

E a lua foi crescendo...

— Crescendo

Como um ai...



(Ilustração: João Timane, artista plástico Moçambicano)

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