terça-feira, 15 de novembro de 2022

FANTASIAS DE UMA MULHER CASADA, de Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva

  




Com o professor de matemática, o triângulo amoroso foi um resultado não calculado. O produto de olhares sincronizados, durante aquele curso de especialização, foi o tesão. A soma de tantos desejos subtraiu-lhes a repressao, multiplicou-lhes as fantasias e deixou-os divididos em uma equação de amor. Na cama, formavam um par co-eficiente. Na horizontal ou na vertical, tiravam o máximo gozo comum de uma dança impar de eixos coordernados. A conversa fracionada - assim?/ - é.../ /te gosto/ - te amo/ - pode?/ - pode.../ -vem.../ - me abraça/ - me aperta/ - te adoro/ - deixa!?/ - hum, hum.../ - elevava ao cubo aquele momento de gozo. Ela jamais calculara que pudesse ser tão feliz. Os dois corpos, em linhas retas ou curvas, traçavam ângulos de vários graus, formando um teorema do amor.

Com o carteiro, a conversa foi telegráfica. Antes trocaram olhares em um correio tipo mala direta.

- Quer?

-Quero

- Quando?

- Agora.

- Agora?

- É

- Aonde?

- Aqui.

- Aqui?

- É.

No quarto, postaram-se frente a frente e beijaram-se aereamente. Puseram logo as cartas na cama e selaram aquele momento de prazer. Carimbados pelo amor, os dois, ali naquela cama, pareciam um cartão postal carimbado por Eros.

Com o capitalista, dividiu toda a sua afetividade. Resgatou as dívidas de prazer que contraíra consigo mesma ao longo daquele casamento falido e aplicou todo o seu amor naquela sociedade anônima. Suas carências nunca mais ficaram a descoberto. Aquele homem era uma apólice de prazer resgatável em um prazo fixo de cada sete dias. Ele hipotecava juros de amor e o seu desempenho na cama era adicionado a carícias que rendiam infindáveis dividendos. Duplicavam-se os telefonemas durante o resto da semana. Cada telefonema era um cheque em branco em que ela colocava a quantia de felicidade que desejasse. Nunca tivera uma relação afetiva tão lucrativa. Quanto aos orgasmos, às vezes ele ficava em débito, mas prometia-lhe outros, em duplicata, ao curto prazo de uma semana. Ela sempre dava-lhe crédito, pois sabia que os jogos de amor são como as bolsas de valor: há dias de alta e dias de baixa. Havia também os dias de inflação de orgasmos que dava-lhe a impressão de estar saciada para sempre. Aquele homem rendeu-lhe muito prazer. Enquanto durou, ela contabilizava cada momento, somava os beijos e os abraços e depositava na alma todas as palavras doces.

Com o linguista, o sexo era polissêmico. A ele, não faltava competência e seu desempenho era invejável. Dominava a sintaxe do amor, porém não era normativo. Gostava de variações e de uma posição derivava outras. Um de seus traços distintivos era seu alto grau de aceitabilidade das fantasias da parceira. Manipulava as estruturas superficiais até enlouquecer a estrutura profunda. Esforçava-se pelo orgasmo sincrônico, mas às vezes, não resistia à intensidade da excitação. Sexo, para ele, não era apenas sintaxe, era um fenômeno semântico dinâmico, criatividade, inventividade, força criadora presente em todo ser humano. Não aceitava o sexo dentro dos limites do condicionamento social, vinculado à história e à cultura. Tinha seu estilo próprio. Não era fiel. Era profundamente ambíguo. Quando estava com uma mulher, comportava-se como um sufixo único, morfema preso a um único radical. Um minuto depois, transformava-se em um morfema livre, pronto a entrar no primeiro sintagma cuja escolha paradigmática lhe conviesse. Usava e abusava dos empréstimos. I love you e Je t'aime eram clichés fáticos, repetições ritualizadas que substituem o indizível, parte imprescindível do extrato sexo-fônico. Falavam o mesmo dialeto amoroso, eram a mesma substância, a mesma forma.

Com o professor de inglês, o affair não foi o happening esperado. O kick off foi dado em um coktail party onde ela, muito lady-like, usou todo o seu sex-appeal para conquistar mais um partner. Conversaram sobre o que era in e o que era out, big business, cult movies, pop music, best sellers, o crack na bolsa de Nova York, o apartheid e last, but not least, ele fez o convite: "Vamos ao meu flat? Eu tenho uns discos de jazz que você vai adorar!" Ela achou-o super out, old-fashioned mesmo. Esperava um approach mais up-to-date, mas, mesmo assim, deu-lhe seu agreement. O streap-tease foi rápido, Ela, estilo clean. Ele, yuppie, cabelo new wave. Ela sentiu-e uma outsider naquele apartamento americanalhado. Mas a esperança de ouvir "My darling, I love you", durante um show de overdose de sexo, dava-lhe a certeza de um happy-end. Na cama, ele saiu na pole position, como um big boss na hora do rush. No lugar do esperado sexo full time, contentou-se em ouvir blues, em compact disk. Mas ela teve fair-play e fingiu não estar nem um pouco down. Afinal, the show must go on. Ela viu que aquela joint adventure estava mais para help-yourself para ele e do-it-yourself para ela. No dia seguinte, ele apareceu de look novo. Calça Jeans, T-shirt, tennis All Star. Convidou-a para um fast-food. Neste in-between, ela fez um flash back e optou por um farewell dinner.



(Ilustração: Cecily Brown)

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