quinta-feira, 27 de agosto de 2020

O ANEL, de Anaïs Nin



No Peru os índios têm o costume de trocar anéis quando ficam noivos, anéis esses cuja posse é antiga na família. As vezes muitos deles têm a forma de uma corrente. 

Um índio muito bonito apaixonou-se por uma peruana descendente de espanhóis, mas houve violenta oposição da parte da família da moça. Os índios eram considerados preguiçosos e degenerados e se dizia que geravam crianças fracas e instáveis, particularmente quando desposavam filhos de espanhóis. 

Apesar da oposição, os dois jovens realizaram a cerimônia de noivado entre os amigos. O pai da moça apareceu durante a festa e disse que, se um dia encontrasse o índio usando o anel que a filha já lhe dera, o arrancaria do modo mais brutal possível, cortando-lhe o dedo, se necessário. O incidente estragou a festa. Todos foram para casa, e o jovem casal se separou com promessas de se ver secretamente. 

Encontraram-se uma noite, após muitas dificuldades, e beijaram-se com ardor por longo tempo. A moça ficou excitada com os beijos do noivo. Ela estava pronta para se entregar, pois achava que aquele poderia ser o último instante deles juntos, visto que a cólera de seu pai crescia mais a cada dia. Mas o índio estava determinado a desposá-la, disposto a não possuí-la em segredo. Então ela notou que ele não trazia no dedo o anel que lhe dera. Seus olhos o interrogaram. Ele lhe disse ao ouvido: — Estou usando o anel, mas não onde possa ser visto, em um lugar onde ele me impedirá de possuí-la ou a qualquer outra mulher antes do casamento. 

— Não compreendo — disse a moça. — Onde está o anel? 

Ele pegou sua mão e colocou-a em um certo lugar, entre suas pernas. Primeiro, os dedos dela sentiram seu pênis, mas ele os guiou até que tocassem no anel, que estava enfiado na base do membro. Ao toque da mão da jovem, contudo, o pênis intumesceu e ele gritou em razão da dor terrível provocada pelo anel que entrara em sua carne. 

A moça quase desmaiou, horrorizada. Era como se ele quisesse matar o desejo que sentia. Ao mesmo tempo, a ideia do pênis dele preso pelo seu anel a despertou sexualmente, e seu corpo ficou morno e sensível a toda sorte de fantasias eróticas. 

Continuou a beijá-lo, mas ele suplicou que não o fizesse, porque aquilo lhe trazia uma dor cada vez maior. 

Poucos dias depois, o índio se viu novamente em uma situação desesperadora, mas não conseguiu tirar o anel. Foi preciso chamar o médico, e o anel teve de ser serrado. 

A moça procurou-o e se ofereceu para fugir com ele. Ele concordou com ela. Montaram em dois cavalos e viajaram a noite inteira até uma aldeia próxima. Ele a escondeu em um quarto e saiu para arranjar trabalho em uma hacienda. Ela não saiu do quarto enquanto seu pai não se cansou de procurá-la. O rapaz que trabalhava como vigia noturno da cidadezinha era a única pessoa a ter conhecimento de sua presença. Ele tinha ajudado a escondê-la. De sua janela, a moça podia vê-lo caminhando de um lado para o outro, carregando as chaves das casas e gritando: — A noite está tranquila e tudo está bem na aldeia. 

Quando alguém chegava em casa tarde da noite, batia palmas e chamava o vigia. Então ele abria a porta da casa dessa pessoa. Enquanto o índio estava fora, trabalhando, o vigia e a mulher tagarelavam inocentemente. 

Ele lhe falou sobre o crime que ocorrera recentemente na aldeia: os índios que deixavam a montanha e seu trabalho nas haciendas e desciam para a selva se tornavam selvagens e animalescos. Suas feições nobres adquiriam traços de bestial brutalidade. 

Essa transformação ocorrera havia pouco tempo com um índio que fora o homem mais bonito da aldeia, um rapaz gracioso, quieto, com um humor estranho e reservada sensualidade. Ele descera para a floresta e se dedicara à caça. Depois retornou cheio de saudade, pobre e sem ter onde morar. Ninguém o reconheceu ou se lembrou dele. 

Um dia ele pegou uma menininha na estrada e cortou suas partes íntimas com uma faca comprida usada para retirar a pele de animais. Não a violou, mas pegou a faca e a enfiou em seu sexo. Toda a aldeia ficou tumultuada. Não podiam decidir como puni-lo. Então resolveram reviver um velho costume indígena. Ele seria açoitado até morrer. E colocariam em suas feridas cera misturada com um forte ácido que os índios conheciam, a fim de aumentar a dor. 

Enquanto o vigia contava essa história, o índio voltava do trabalho. De longe, viu a mulher à janela, olhando para o vigia. Ao chegar, obrigou-a a ir correndo para o quarto e apareceu diante dela com os cabelos negros caindo em torno do rosto, os olhos faiscantes de ódio e ciúme. Começou a amaldiçoá-la e a torturá-la com dúvidas e perguntas. 

Desde o acidente com o anel, seu pênis ficara muito sensível. O ato sexual era acompanhado de dor, e por isso ele não podia deliciar-se com a frequência que desejava. Seu pênis inchava e ficava dolorido durante alguns dias. Ele estava sempre com medo de não satisfazer a esposa e de que, por essa razão, ela procurasse outro. Quando viu o vigia conversando com ela, ficou certo de que ambos estavam tendo um caso às escondidas. Teve vontade de machucá-la, de fazê-la sofrer tanto quanto ele tinha sofrido por sua causa. Forçou-a a descer ao porão, onde o vinho era guardado em barris. 

Amarrou uma corda a uma das vigas do teto. A mulher pensou que fosse ser espancada. Não podia entender por que ele estava preparando uma espécie de roldana. Então ele amarrou suas mãos e se pôs a puxá-la pela corda, que havia passado na viga, de modo que seu corpo foi levantado no ar, com todo o peso sustentado pelos pulsos, causando-lhe imensa dor. 

Ela chorou e jurou que lhe tinha sido fiel, mas ele estava como louco. Quando ela desmaiou, enquanto a corda era puxada novamente, ele se deu conta do que estava fazendo. Colocou-a no chão e começou a abraçá-la e a acariciá-la. Ela abriu os olhos e sorriu. 

Ele se sentiu tomado de desejo por ela e atirou-se sobre seu corpo. Pensou que fosse encontrar resistência, que depois de toda aquela dor ela tivesse ficado com raiva. Mas não houve qualquer oposição. Ao contrário, ela continuou a sorrir. E quando ele tocou em seu sexo, descobriu que estava úmido. Ele possuiu-a com fúria e ela correspondeu com a mesma exaltação. Foi a melhor noite que os dois jamais tiveram, deitados ali no chão frio da adega escura. 



(O delta de Vênus; tradutor não identificado)


(Ilustração: Frida Castelli)


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