quinta-feira, 6 de agosto de 2020

INTIMIDADE, de Alexei Bueno




Caros mortos do Rio de Janeiro,

Quando eu ando nas ruas em que andastes

Não são meus olhos tão somente engastes

Dos vossos, vendo o que vistes primeiro?



Estar vivo, este fato, não é um só

E mesmo, se se exclui cenário e nome?

Não é a mesma uma boca quando come

E dois pés na calçada erguendo o pó?



Não será isso enfim a vida eterna,

Livrar-se da memória e andar nas ruas?

Ser só olhos com pés, as íris nuas

De tudo o que das horas nos governa?



Não morremos? Talvez nunca tenhamos

Deixado o mesmo ponto intacto e alheio.

O que é o agora? O que é? Como está cheio

Este jardim deserto onde uivam ramos.



(Os resistentes) 


(Ilustração: Salvador Dalí) 

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