terça-feira, 28 de julho de 2020

MEDITAÇÃO SOBRE A MEDITAÇÃO, de H. L. Mencken




A capacidade do homem para o pensamento abstrato, que parece faltar à maioria dos outros mamíferos, sem dúvida conferiu-lhe seu atual domínio sobre a superfície da Terra — um domínio disputado apenas por centenas de milhares de tipos de insetos e organismos microscópicos. Este pensamento abstrato é o responsável por sua sensação de superioridade e por que, sob esta sensação, existe uma certa medida de realidade, pelo menos dentro de estreitos limites. Mas o que é frequentemente subestimado é o fato de que a capacidade de desempenhar um ato não é, de forma alguma, sinônima de seu exercício salubre. É fácil observar que a maior parte do pensamento do homem é estúpida, sem sentido e injuriosa a ele. Na realidade, de todos os animais, ele parece o menos preparado para tirar conclusões apropriadas nas questões que afetam mais desesperadamente o seu bem-estar. 

Tente imaginar um rato, no universo das ideias dos ratos, chegando a noções tão ocas de plausibilidade como, por exemplo, o Swedenborgianismo, a homeopatia, a danação infantil ou a telepatia mental. O instinto natural do homem, de fato, nunca se dirige para o que é sólido e verdadeiro; prefere tudo que é especioso e falso. Se uma grande nação moderna se confrontar com dois problemas conflitantes — um deles baseado em argumentos prováveis e racionais, o outro disparando em direção ao erro mais óbvio —, ela, quase invariavelmente, adotará este último. Isto se aplica à política, que consiste inteiramente numa sucessão de asneiras, muitas das quais tão idiotas que existem apenas como palavras de ordem ou demagogia, não podendo ser reduzidas a qualquer declaração lógica. 

Acontece o mesmo na religião, que, como a poesia, não passa de uma partitura orquestrada para negar as mais óbvias realidades. E é assim em quase todos os campos do pensamento. As ideias que mais rapidamente conquistam a raça, levantam os mais vibrantes entusiasmos e são defendidas com a maior tenacidade, são justamente as mais insanas. Isto pode ser provado desde que o primeiro gorila “avançado” vestiu cuecas, franziu a testa e saiu por aí dando conferências. E será assim até que os poderes superiores, finalmente cansados desta farsa, exterminem a raça com um gigantesco e definitivo coquetel de fogo, gases mortais e estreptococos. 

Não surpreende que a imaginação do homem seja a culpada por esta singular fraqueza. Tal imaginação, eu diria, foi o que lhe permitiu dar o seu primeiro salto sobre seus colegas primatas. Permitiu-lhe visualizar uma condição de existência melhor do que a que ele vinha experimentando e, pouco a pouco, tornou-o capaz de retocar o quadro com uma certa realidade crua. E até hoje ele continua do mesmo jeito. Quer dizer, ele pensa em qualquer coisa que gostaria de ser ou ter, algo bem melhor do que ele já é ou já tem, e, então, por um processo custoso e difícil de erros e acertos, gradualmente chega ao que quer. Durante o processo, muitas vezes é severamente punido por seu descontentamento com as sagradas ordens de Deus. Rói as unhas, coça o queixo, tropeça e cai — e, finalmente, o prêmio que ele tanto buscava derrete em suas mãos. Mas, aos pouquinhos, ele segue em frente ou, na pior das hipóteses, passa o bastão a seus herdeiros ou sucessores. Pouco a pouco, ele asfalta o caminho para sua perna restante e conquista belos brinquedos para a mão que lhe resta, com os quais brinca, e permite a seu olho ou ouvido sobrevivente desfrutar aquela delícia. 

Infelizmente, nunca se contenta com este processo lento e sanguinário. Está sempre em busca de algo cada vez mais distante. Vive imaginando coisas além do arco-íris. Este corpo de imagens constitui seu estoque de doces credulidades, fé e confiança — em suma, seu fardo de erros. E este fardo de erros é o que distingue o homem, mesmo acima de sua capacidade de chorar, seu talento para mentir, sua excessiva hipocrisia e bazófia, de todas as outras ordens de mamíferos. O homem é o caipira par excellence, um ingênuo incomparável, o bobo da corte cósmica. Ele é crônica e inevitavelmente tapeado, não apenas pelos outros animais e pelas artimanhas da natureza, mas também (e mais particularmente) por si mesmo — por seu incomparável talento para pesquisar e adotar o que é falso, e por negar ou desmentir o que é verdadeiro. 

A capacidade para discernir a verdade essencial, de fato, é tão rara nos homens quanto comum entre os corvos, sapos ou sardinhas. O homem capaz desse discernimento é de uma qualidade mais do que extraordinária — mesmo, talvez, que seja profundamente mórbido. Demonstre uma nova verdade lastreada de qualquer plausibilidade natural para uma multidão, e nem uma pessoa em 10 mil suspeitará de sua existência, e nem uma em 100 mil irá adotá-la sem feroz resistência. Todas as verdades duradouras que se impuseram ao mundo no decorrer da História foram mais combatidas do que a varíola, e todo indivíduo que as recebeu bem e lutou por elas foi, absolutamente sem exceção, denunciado e punido como um inimigo da espécie. Talvez o “absolutamente sem exceção” seja um exagero. Eu o substituiria por “cinco ou seis exceções”. Mas quem seriam essas cinco ou seis exceções? Deixo a resposta a cargo de vocês; eu próprio não conheço nenhuma. 

Mas, se a verdade é sempre mal recebida, o erro é recebido de braços abertos. Qualquer homem que invente uma nova imbecilidade recebe salvas de palmas e torna-se o dono da verdade; para as grandes massas, ele é o beau ideal da humanidade. Dê um giro pelos últimos mil anos da História e você descobrirá que 90% dos ídolos populares do mundo — não me refiro aos heróis de pequenas seitas, mas a ídolos mundialmente populares — não passaram de mascates baratos de nonsense. Tem sido assim em política, religião e em qualquer outro departamento do pensamento humano. Mesmo tal mascate já enfrentou alguma oposição, uma vez ou outra, de críticos que o denunciaram como charlatão e o refutaram assim que ele abriu a boca. Mas, ao lado de cada um deles, havia a titânica força da credulidade humana, e isto bastava para destruir seus inimigos e estabelecer sua imortalidade. 



(1920) 



(O livro dos insultos; tradução de Ruy Castro) 



(Ilustração: Alfedo López - sans frontières)



 


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