terça-feira, 29 de novembro de 2016
A SAGA DOS CÍRCULOS NAS PLANTAÇÕES, de Carl Sagan
A saga dos círculos nas plantações demonstra como são modestas nossas expectativas sobre os "alienígenas" e inferiores aos padrões que muitos de nós estão dispostos a aceitar. Originando-se na Grã-Bretanha e espalhando-se por todo o mundo, tratava-se de um fenômeno mais do que estranho.
Os fazendeiros ou os passantes descobriram círculos (e, anos mais tarde, pictogramas muito mais complexos) gravados sobre campos de trigo, aveia, cevada e colza. Começando por simples círculos na metade dos anos 70, o fenômeno progrediu ano a ano, até que no final dos 80 e início dos 90 a paisagem do campo, especialmente no sul da Inglaterra, estava ornamentada com imensas figuras geométricas, algumas do tamanho de um campo de futebol, gravadas com grãos de cereais antes da colheita - círculos tangentes a círculos ou conectados por eixos, linhas paralelas que se curvavam, "insetoides". Alguns dos padrões apresentavam um círculo central circundado por quatro círculos menores simetricamente posicionados - evidentemente causados, como se concluiu, por um disco voador e seus dispositivos de aterrissagem.
Uma fraude? Impossível, dizia quase todo mundo. Havia centenas de casos. Às vezes o círculo era feito em apenas uma ou duas horas, na calada da noite, e numa escala muito grande. Não se viam pegadas dos fraudadores aproximando-se ou afastando-se dos pictogramas. E, além disso, que motivo poderia haver para uma brincadeira dessas?
Conjeturas muito menos convencionais eram propostas. Pessoas com algum treinamento científico examinaram os locais, teceram argumentos, chegaram a criar periódicos dedicados ao assunto. Seriam as figuras causadas por estranhos redemoinhos chamados "vórtices colunares", ou por alguns ainda mais estranhos chamados "vórtices anulares"? E que dizer dos fogos de santelmo? Investigadores japoneses tentaram simular, no laboratório e em pequena escala, a física dos plasmas que eles achavam estar atuando na distante Wiltshire.
No entanto, especialmente à medida que as figuras nas colheitas se tornavam mais complexas, as explicações meteorológicas ou elétricas se tornavam mais forçadas. Não havia dúvida, o fenômeno era causado por UFOS, os alienígenas procuravam se comunicar conosco em linguagem geométrica. Ou talvez fosse o diabo, ou a Terra de tão longos sofrimentos queixando-se das depredações efetuadas pela mão do homem. Os turistas da Nova Era chegavam em bandos. Os entusiastas equipados com gravadores e instrumentos de visão infravermelha empreendiam vigílias a noite toda. A mídia eletrônica e impressa de todo o mundo acompanhava os intrépidos cerealogistas. Um público ansioso e admirador comprava os best-sellers sobre os desfiguradores das colheitas. É verdade, nenhum disco foi realmente visto pousando sobre o trigo, nenhuma figura geométrica foi filmada enquanto estava sendo gerada. Mas os adivinhos autenticaram a sua origem alienígena, e os canalizadores estabeleceram contatos com as entidades responsáveis. Detectou-se "energia orgástica" dentro dos círculos.
Formularam-se perguntas no Parlamento. A família real chamou para consulta especial lord Solly Zuckerman, ex-conselheiro científico do Ministério da Defesa. Dizia-se que fantasmas estavam envolvidos; e também os Cavaleiros do Templo de Malta e outras sociedades secretas. Havia satanistas implicados. O Ministério da Defesa estava encobrindo a questão. Alguns círculos malfeitos e deselegantes foram considerados tentativas feitas pelos militares para despistar a população. O Daily Mirror contratou um fazendeiro e seu filho para fazer cinco círculos, na esperança de que o tabloide rival, o Daily Express, ficasse tentado a publicar a história. Pelo menos nesse caso, o Express não se deixou enganar.
As organizações "cerealógicas" cresceram e se dividiram. Os grupos rivais trocavam entre si textos mal escritos e intimidadores. Acusavam-se de incompetência ou de coisa pior. O número de "círculos" nas plantações atingiu a casa do milhar. O fenômeno se espalhou para os Estados Unidos, Canadá, Bulgária, Hungria, Japão, Holanda. Os pictogramas - especialmente os mais complexos - começaram a ser cada vez mais citados nos argumentos a favor das visitas alienígenas. Estabeleceram-se conexões forçadas com A Face em Marte. Um cientista meu conhecido me escreveu dizendo que uma matemática extremamente sofisticada estava oculta nas figuras; elas só podiam ser resultado de uma inteligência superior. Na verdade, uma questão consensual entre quase todos os cerealogistas rivais é que as figuras mais recentes nas colheitas eram demasiado complexas e elegantes para serem resultado da mera intervenção humana, muito menos de alguns mistificadores imperfeitos e irresponsáveis. A inteligência extraterrestre era visível num simples olhar de relance...
Em 1991, Doug Bower e Dave Chorley, dois sujeitos de Southampton, anunciaram que vinham fazendo as figuras nas planícies havia quinze anos. Eles imaginaram a brincadeira ao tomar cerveja preta certa tarde no seu pub habitual, The Percy Hobbes. Eles tinham achado engraçadas algumas notícias de UFOS, e pensaram que seria divertido lograr os que acreditavam nos objetos não identificados. No início, achatavam o trigo com a pesada barra de aço que Bower usava como tranca na porta dos fundos de sua loja de molduras. Mais tarde, empregaram pranchas e cordas. Suas primeiras tentativas levaram apenas alguns minutos. Mas, sendo brincalhões inveterados e também artistas sérios, o desafio começou a crescer dentro deles. Aos poucos, planejaram e executaram figuras cada vez mais elaboradas.
A princípio, ninguém parecia ter percebido. Não havia notícias nos meios de comunicação. Suas formas de arte foram desprezadas pela tribo dos ufologistas. Estavam a ponto de abandonar os círculos nas plantações e passar para outra brincadeira emocionalmente mais gratificante.
De repente, os círculos nas plantações se tornaram populares. Os ufologistas caíram como patinhos. Bower e Chorley ficaram encantados - especialmente quando os cientistas e outras pessoas começaram a dar sua opinião ponderada de que as simples inteligência humana não poderia ser responsável pelas figuras.
Os dois planejavam cuidadosamente cada excursão noturna - às vezes seguindo diagramas meticulosos que haviam preparado em aquarelas. Eles acompanhavam de perto os seus interpretadores. Quando um meteorologista local inferiu um tipo de redemoinho, porque todas as plantações estavam flectidas para baixo num círculo em sentido horário, eles procuraram confundi-lo criando nova figura com um anel exterior achatado em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
Em breve apareciam outras figuras nas plantações do sul da Inglaterra e de outros lugares. Haviam surgido imitadores. Bower e Chorley gravaram uma mensagem no trigo: "NÓSNÃOESTAMOSSOZINHOS". Houve quem tomasse essas palavras como uma mensagem extraterrestre genuína (embora tivesse sido mais correta se dissesse "VOCÊSNÃOESTÃOSOZINHOS"). Doug e Dave começaram a assinar seus trabalhos artísticos com dois Ds; até isso foi atribuído a um misterioso propósito alienígena. As ausências noturnas de Bower despertaram suspeitas em sua mulher Ilene. Só com grande dificuldade - Ilene acompanhando Dave e Doug certa noite, e depois juntando-se aos crédulos que admiravam a obra no dia seguinte - é que ela se convenceu de que suas ausências eram, nesse aspecto, inocentes.
Por fim, Bower e Chorley se cansaram da brincadeira cada vez mais elaborada. Apesar de ainda apresentarem excelente forma física, estavam ambos na casa dos sessenta e um pouco velhos para incursões noturnas nos campos de fazendeiros desconhecidos e frequentemente pouco compreensivos. Talvez tenham se incomodado com a fama e fortuna acumuladas por aqueles que simplesmente fotografavam a sua arte e afirmavam que os artistas eram alienígenas. E também começaram a se preocupar com o fato de que, se demorassem muito mais tempo, ninguém acreditaria na sua história.
Por isso confessaram. Demonstraram aos repórteres como é que faziam até os padrões insetoides mais elaborados. Era de se esperar que nunca mais alguém afirmaria ser impossível uma brincadeira prolongada durante muitos anos, e que nunca mais ouviríamos que nenhuma pessoa teria motivos para enganar os crédulos, fazendo-os crer na existência de alienígenas. Mas a mídia deu pouca atenção. Os cerealogistas insistiam para que tivessem calma; afinal de contas, eles estavam roubando de muitos o prazer de imaginar acontecimentos extraordinários.
Desde então, outros têm continuado a brincadeira dos círculos nas plantações, mas em geral de forma mais irregular e menos inspirada. Como sempre, a confissão do logro foi ofuscada pela excitação inicial prolongada. Muitos têm ouvido falar dos pictogramas nos grãos de cereais e de sua alegada conexão com os UFOS, mas lhes dá um branco quando se mencionam os nomes de Bower e Chorley ou a própria ideia de que toda a história não passa de uma brincadeira. Foi publicada uma exposição informativa do jornalista Jim Schnabel (Round in circles, Penguin Books, 1994) - da qual é tirada grande parte do meu relato. Schnabel aderiu cedo aos cerealogistas e acabou fazendo ele próprio alguns pictogramas de sucesso. (Ele prefere um rolo de jardim a uma prancha de madeira, e descobriu que simplesmente pisotear os grãos já produz um pictograma aceitável.) Mas a obra de Schnabel, que um crítico descreveu como "o livro mais engraçado que li em muitos anos", teve um sucesso apenas modesto. Os demônios vendem; os fraudadores são aborrecidos e de mau gosto.
(O mundo assombrado pelos demônios - a ciência vista como uma vela no escuro; tradução de Rosaura Eichemberg)
(Ilustração: círculos nas plantações - foto de autor não identificado)
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