domingo, 7 de março de 2010
A PÍLULA FALANTE, de Monteiro Lobato
Emília engoliu a pílula, muito bem engolida, e começou a falar no mesmo instante.
A primeira coisa que disse foi:
-Estou com um horrível gosto de sapo na boca!
E falou, falou, falou mais de uma hora sem parar.
Falou tanto que Narizinho, atordoada, disse ao doutor que era melhor fazê-la vomitar aquela pílula e engolir uma mais fraca.
- Não é preciso – explicou o grande médico. – Ela que fale até cansar. Depois de algumas horas de falação, sossega e fica como toda gente. Isto é “fala recolhida”, que tem que ser botada para fora.
E assim foi. Emília falou três horas sem tomar fôlego.
Por fim calou-se.
- Ora graças! – explicou Narizinho. – Podemos agora conversar como gente.
Emília empertigou-se toda e começou a dizer na sua falinha fina de boneca de pano:
-O Doutor Cara de Coruja ...
-É Doutor Caramujo, Emília!
- Doutor Cara de Coruja, esse Doutor Cara de Corujíssima me pregou um liscabão.
- Beliscão – emendou Narizinho.
A menina viu que a fala da Emília ainda não estava bem ajustada, coisa que só o tempo poderia conseguir. Viu também que ela era de gènio teimoso e asneirenta por natureza, pensando a respeito de tudo de um modo especial todo seu.
- Melhor que seja assim – filosofou Narizinho. – As ideias de tia Nastácia a respeito de tudo são tão sabidas que a gente já as adivinha antes que ela abra a boca. As ideias de Emília hão-de ser sempre novidades.
(A pílula falante)
(Ilustração: Portinari - pipa)
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