quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

FIVE O'CLOCK TEAR, de Emanuel Félix

 




Coisa tão triste aqui esta mulher

com seus dedos pousados no deserto dos joelhos

com seus olhos voando devagar sobre a mesa

para pousar no talher

Coisa mais triste o seu vaivém macio

p'ra não amachucar uma invisível flora

que cresce na penumbra

dos velhos corredores desta casa onde mora



Que triste o seu entrar de novo nesta sala

que triste a sua chávena

e o gesto de pegá-la



E que triste e que triste a cadeira amarela

de onde se ergue um sossego um sossego infinito

que é apenas de vê-la

e por isso esquisito



E que tristes de súbito os seus pés nos sapatos

seus seios seus cabelos o seu corpo inclinado

o álbum a mesinha as manchas dos retratos



E que infinitamente triste triste

o selo do silêncio

do silêncio colado ao papel das paredes

da sala digo cela

em que comigo a vedes



Mas que infinitamente ainda mais triste triste

a chávena pousada

e o olhar confortando uma flor já esquecida

do sol

do ar

lá de fora

(da vida)

numa jarra parada



(A Palavra O Açoite; 1977)



(Ilustração: Pieter Janssens Elinga; 1623-1682)

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