domingo, 3 de agosto de 2025

UMA DISCUSSÃO RELIGIOSA, de Jaroslav Hašek

 


Às vezes, Švejk passava dias inteiros sem ver o pastor das almas militares. O capelão dividia seu tempo entre seu ofício e as farras e por isso só voltava para casa muito de vez em quando, sem ter tomado banho e desalinhado, como um gato volta miando depois de suas excursões pelos telhados.

Se quando voltava ainda era capaz de se expressar, antes de adormecer conversava com Švejk sobre os objetivos mais elevados, o nobre entusiasmo e a alegria de pensar.

Algumas vezes até tentava falar em versos e citava Heine.

Švejk teve a oportunidade de participar de outra missa campal com o capelão, desta vez destinada aos sapadores. Por engano, também haviam convidado outro capelão militar, um ex-catequista, um homem extraordinariamente piedoso que olhou para seu colega com evidente estranheza quando este lhe ofereceu um gole de conhaque do cantil que Švejk sempre levava a esse tipo de cerimônias religiosas.

— É de boa marca — disse o capelão Otto Katz. — Beba um bom gole e vá para casa. Vou fazer tudo sozinho. Preciso ficar ao ar livre. Estou com dor de cabeça.

O capelão piedoso foi embora balançando a cabeça e, como sempre, Katz cumpriu perfeitamente sua missão.

Desta vez o que se transformou no sangue do Senhor foi vinho misturado com água gasosa e o sermão foi mais longo do que das outras vezes. A cada frase, o capelão repetia “e assim por diante, certamente”.

— Soldados, hoje vocês partirão para o front, e assim por diante, certamente. Dirijam-se agora a Deus e assim por diante, certamente. Não sabem o que vai acontecer com vocês, e assim por diante, certamente.

E continuou trovejando do altar etceteras, certamente misturados com Deus e todos os santos.

Cheio de calor e entusiasmo oratório, o capelão disse, inclusive, que o príncipe Eugène de Savoy era o santo que os protegeria quando estivessem construindo pontes sobre os rios.

De qualquer forma, a missa campal acabou sem nenhum tipo de escândalo, de uma maneira agradável e feliz. Os sapadores se divertiram muito.

No caminho de volta, não queriam deixar que Švejk e o capelão entrassem no bonde com o altar desmontável.

— Vou bater na sua cabeça com esse santo — disse Švejk ao motorneiro.

Quando, finalmente, chegaram em casa, se deram conta de que haviam perdido o tabernáculo.

— Não importa — disse Švejk. — Os primeiros cristãos também diziam a missa sem tabernáculo. Se anunciássemos isso em algum lugar, o honesto descobridor iria querer uma recompensa. Se se tratasse de dinheiro, provavelmente nenhum descobridor honesto o acharia, embora ainda haja gente desse tipo. Em meu regimento de Budějovice havia um soldado, um grande estúpido, que uma vez encontrou seiscentas coroas na rua e entregou-as à polícia. Os jornais escreveram sobre ele dizendo que era um homem honesto e ele ficou envergonhado. Ninguém queria conversar com ele; todos lhe diziam: “Imbecil, que besteira a sua! Se ainda lhe resta um mínimo de honra no corpo, vai se arrepender pelo resto da vida.” Tinha uma namorada, que parou de falar com ele. Quando foi para casa em um dia de folga, os amigos o expulsaram da taverna durante o baile por causa daquilo. Começou a murchar, a ficar obcecado, e acabou se atirando debaixo de um trem. Uma vez um alfaiate da minha rua encontrou um anel de ouro. As pessoas lhe diziam que não devia entregá-lo à polícia, mas ele não se deixou convencer. A polícia recebeu-o muito amavelmente dizendo que já havia sido notificada a perda de um anel de ouro com um diamante, mas então olharam para a pedra e lhe disseram: “Homem, isto é vidro, não é diamante. Quanto lhe pagaram pelo diamante? Nós conhecemos gente honesta deste tipo.” Finalmente ficou esclarecido que outra pessoa havia perdido um anel de ouro com um falso diamante, uma espécie de recordação familiar; de qualquer maneira, o alfaiate passou três dias no xadrez, porque ficou tão indignado que insultou os guardas. Deram-lhes os dez por cento da gratificação legal, ou seja, uma coroa e vinte cêntimos, porque aquela porcaria valia doze coroas; ele jogou a gratificação legal na cara do dono, este o denunciou por injúrias e o alfaiate teve de pagar vinte coroas de multa. Depois dizia em todos os lugares que toda pessoa honesta que encontrasse um objeto perdido e o devolvesse merecia receber vinte e cinco porradas e apanhar até que ficasse azul, publicamente, para que as pessoas se lembrassem daquilo e aprendessem a se comportar depois daquele exemplo. Acho que ninguém nos devolverá nosso tabernáculo, mesmo tendo atrás o selo do regimento, porque ninguém quer ter nada a ver com o exército. Provavelmente o jogarão no rio, para evitar qualquer confusão. Ontem na taverna U Zlatého vĕnce conversei com um camponês que já está com cinquenta e seis anos; esse homem me contou que havia ido à prefeitura do distrito de Nová Paka para perguntar por que haviam confiscado sua carroça. Depois de o terem expulsado da prefeitura, no caminho de volta passou um tempo observando um destacamento que acabara de chegar e que havia parado na praça. Um jovem lhe perguntou se podia olhar seus cavalos enquanto levava conservas para o exército e não voltou nunca mais. Quando o destacamento retomou a marcha, o homem se viu obrigado a ir com ele e assim chegou com os cavalos à Hungria. Uma vez ali, ele também pediu a uma pessoa que olhasse os cavalos e só assim se salvou; se não, o teriam arrastado até a Sérvia. Voltou completamente atônito e nunca mais quis ter nada a ver com assuntos militares.

À noite, receberam a visita do piedoso capelão que de manhã quisera celebrar a missa para os sapadores. Era um fanático que tentava aproximar Deus de todo mundo. Como catequizador, pretendia desenvolver o sentimento religioso das crianças a bofetadas. Naqueles dias, haviam sido publicados artigos sobre ele em diversas revistas com títulos como “Um catequizador selvagem”, “Um catequizador que distribui bofetadas” etc. O catequizador estava convencido de que o melhor método para ensinar religião a uma criança era surrá-la regularmente.

Mancava de um pé, em consequência da visita do pai de um aluno que levara uma boa sova do catequizador porque manifestara dúvidas sobre a existência da Santíssima Trindade. Recebeu três socos. Um pelo Pai, outro pelo Filho e o terceiro pelo Espírito Santo. Hoje ia ver seu colega Otto Katz para levá-lo ao bom caminho e conversar com sua alma. Tentou se aproximar de seu objetivo com a seguinte observação:

— Acho estranho que em sua casa não haja nenhuma cruz dependurada. Onde o senhor reza o breviário? Suas paredes não estão decoradas com nenhuma estampa. O que é isto que está em cima da cama?

Katz sorriu:

— Susana no banho, e aquela mulher nua ali embaixo é uma velha conhecida. À direita há um quadro japonês que representa o ato sexual de uma gueixa e um velho samurai. É muito original, não acha? Meu breviário está na cozinha. Švejk, traga-o e o abra na página três.

Švejk saiu e ao cabo de um tempo se ouviu alguém desarolhar três garrafas de vinho.

O capelão piedoso ficou horrorizado quando as três garrafas foram colocadas na mesa.

— É um vinho de missa muito suave, senhor colega — disse Katz —, de primeira qualidade, Riesling. Quanto ao sabor, parece um Mosela.

— Não vou beber — disse o capelão piedoso com obstinação. — Vim apelar a sua consciência.

— Mas então ficará com a garganta seca — disse Katz. — Beba e eu o ouvirei. Sou uma pessoa muito tolerante e inclusive estou aberto a outras opiniões.

O capelão bebeu um golinho e arregalou os olhos.

— Pelos diabos, este vinho é ótimo, não é mesmo?

O fanático repreendeu-o com dureza:

— Noto que está blasfemando.

— É o hábito — devolveu Katz. — Às vezes até blasfemo. Švejk, sirva mais vinho ao senhor capelão. Posso lhe assegurar que até digo “cago em Deus”. Quando o senhor tiver passado entre militares tantos anos como eu tampouco poderá prescindir disso. Não é nada difícil nem complicado e, sobretudo, é uma coisa muito próxima de nós, religiosos. Céus! Por Deus! Cruzes! Pelos sacramentos! Isto tudo não é muito bonito e profissional? Beba, caro colega!

O velho catequizador bebeu mecanicamente. Era evidente que queria dizer alguma coisa, mas não conseguia. Organizava os pensamentos.

— Levante a cabeça, caro colega — continuou Katz —, não fique aí sentado tristemente como se fossem enforcá-lo daqui a cinco minutos. Ouvi dizer a seu respeito que numa sexta-feira, por equívoco, comeu uma costela de porco em um restaurante porque estava convencido de que era quinta-feira e que, quando percebeu seu erro, foi ao lavabo e enfiou os dedos na boca para vomitar a carne, convencido de que, se não o fizesse, Deus o aniquilaria. Eu não tenho medo de comer carne nem mesmo nos dias de jejum e não tenho medo nem do inferno. Perdão, beba. Está se sentindo melhor? O senhor tem opiniões progressistas a respeito do inferno e segue o espírito da época e os reformistas? Em outras palavras, acredita que em lugar das caldeiras normais com enxofre os pobres pecadores são fritos na margarina, fervem em panelas de pressão, são refogados em manteiga, ficam girando em espetos elétricos, durante milhões de anos são esmagados por niveladoras de estradas, os rangidos de seus dentes são gravados e os discos enviados lá para cima, ao céu, para distrair os justos? No céu funcionam pulverizadores de água-de-colônia e a filarmônica interpreta Brahms e a pessoa fica tão farta que acaba preferindo o inferno e o purgatório. Os anjinhos têm hélices de aviões no rabo para não ter de fazer tanto esforço com as asas. Beba, querido amigo! Švejk, sirva um pouco de conhaque ao nosso visitante, estou achando que não está passando bem.

Quando o piedoso capelão voltou a si, disse em voz baixa:

— A religião é um conceito racional. Quem não crê no conceito da Santa Trindade...

— Švejk — interrompeu-o Katz —, sirva outro conhaque ao senhor capelão para que se recupere. Diga-lhe alguma coisa, Švejk.

— Humildemente, senhor capelão — começou Švejk. — Em Vlašim havia um deão que tinha uma diarista porque sua velha governanta fugira com o coroinha e o dinheiro. Já velho, o homem começou a estudar Santo Agostinho, que, segundo dizem, é um dos santos padres, e leu em suas obras que aquele que acredita em antípodas está condenado. Então gritou para a diarista: “Ouça, você me disse que seu filho é mecânico e foi para a Austrália. E, conforme Santo Agostinho, quem acredita em antípodas deve ser amaldiçoado.” “Sua eminência”, respondeu-lhe a diarista, “meu filho me manda cartas e dinheiro da Austrália!”. “Isso não passa de um artifício do diabo”, replicou o deão. “Segundo Santo Agostinho, não existe nenhuma Austrália e tudo isso não passa de tentações do anticristo.” No domingo condenou-a publicamente gritando que a Austrália não existia. De maneira que o levaram diretamente da igreja para o manicômio. Seria necessário levar para lá muito mais gente. As ursulinas têm no convento uma garrafa de leite da Virgem Maria com o qual alimentam o menino Jesus. Uma vez levaram ao orfanato de Benešov a água de Lourdes e os órfãos tiveram uma caganeira como o mundo jamais viu.

O capelão piedoso achou que estava tendo visões e teve que beber outro cálice de conhaque para se recuperar um pouco, mas, de repente, a bebida subiu a sua cabeça. Piscando, perguntou a Katz:

— O senhor acredita na imaculada concepção de Nossa Senhora? Não acredita que o polegar de São João Batista que está preservado no monastério dos Piaristas é verdadeiro? Enfim, acredita pelo menos em Deus? E, se não acredita Nele, por que é capelão?

— Querido colega — respondeu Katz, acariciando-lhe levemente as costas —, enquanto o Estado não se der conta de que os soldados não precisam da bênção de Deus antes de ir à guerra, ser capelão militar será uma profissão bem remunerada que não obriga ninguém a se matar de trabalhar. Pessoalmente, prefiro isso a fazer exercícios ou a participar de manobras, como já fiz. Naquela época, recebia ordens dos meus superiores e hoje faço o que me dá na telha. Represento alguém que não existe e até exerço o papel de Deus. Quando não sinto uma verdadeira vontade de perdoar os pecados de alguém, não os perdoo mesmo que me implore de joelhos. De qualquer maneira, estes são uma minoria.

— Eu amo Deus — exclamou o capelão piedoso, começando a soluçar. — Amo-o muito. Sirva-me um pouco mais de vinho. Aprecio Deus — continuou —, aprecio e venero. Não aprecio ninguém tanto como a Ele.

Deu um soco na mesa com tanta força que as garrafas balançaram.

— Deus é uma substância sublime, sobrenatural. É honrado em suas relações. É uma aparição radiante, e isso é inegável. Também aprecio São José, de fato aprecio todos os santos, salvo São Serapião. Seu nome é muito feio.

— Teria que pedir permissão para mudá-lo — observou Švejk.

— Amo Santa Ludmila e São Bernardo — continuou o velho catequizador. — Este salvou muitos peregrinos no maciço de São Gotardo. Carrega no pescoço uma garrafa de conhaque e procura as pessoas que desaparecem debaixo da neve.

De repente, a conversa adquiriu outro tom. O capelão começou a misturar tudo:

— Aprecio os Santos Inocentes, cujo dia é 28 de dezembro, mas odeio Herodes. Quando as galinhas dormem, não podem botar ovos frescos.

Começou a rir e a cantar Deus meu, santo, forte.

Então se interrompeu e se dirigiu a Katz com severidade:

— O senhor não acredita que o dia 15 de agosto é o da festa da assunção da Virgem Maria?

A brincadeira havia chegado ao seu ponto máximo. Apareciam mais e mais garrafas e de vez em quando a voz de Katz se alçava:

— Diga que não acredita em Deus ou não lhe sirvo mais vinho.

Parecia ter voltado à época da perseguição aos primeiros cristãos. O velho catequizador cantou uma canção dos mártires da arena romana e depois vociferou:

— Creio em Deus, nunca o renegarei! Não quero seu vinho. Posso mandar trazerem o meu.

Por fim, o enfiaram na cama. Antes de adormecer, e levantando a mão direita como se fosse prestar juramento, declarou:

— Creio em Deus, no Filho e no Espírito Santo. Tragam-me o breviário.

Švejk colocou em suas mãos um livro que estava na mesa de cabeceira. E assim o piedoso capelão adormeceu com o Decameron de Boccaccio em cima do peito.



(As aventuras do bom soldado Švejk; tradução de Luís Carlos Cabral)



(Ilustração: Arnoldas Švenčionis - Adam and Eve)

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