domingo, 13 de outubro de 2024

O XERIFE E OS GUAJAJARAS (NO INTERIOR DO MARANHÃO), de Leonardo Froes

 




Os homens do Romeu Tuma,

prepotentes e embalados,

foram dar uma batida

na tribo dos guajajaras.

Queriam localizar,

pra acabar de vez com ela,

a plantação de maconha

que, segundo haviam dito,

esses índios cultivavam

no sertão do Maranhão.

Lá na aldeia de Coquinhos

os homens bravos do Tuma

já chegaram dando tiros,

matando cachorros mansos

que apenas comiam pulgas.

Curumins apavorados

corriam que nem cutia

da polvorosa imprevista,

enquanto cunhãs e velhas,

aflitas, choravam sem

entender o que é que havia.

“De que se trata?”, diziam

na língua dos guajajaras:

“Que querer aqui fazer

os ruins caramurus?”

Os de fora, dos seus carros

barulhentos que nem tanques

numa ofensiva de guerra,

iam só mandando bala

por entre as choças tranquilas,

furando bambus e sacos,

vasilhames e bacias

com pontaria certeira.

Mas o espírito das matas

(cinco séculos de fúria

sob contínuos massacres)

de repente correu solto

no meio dos guajajaras.

Armando-se de cacetes,

o desespero do orgulho

e a valentia das onças,

os índios antes perplexos

com a louca invasão dos brutos

pularam dando pauladas,

de peito nu e aberto,

contra os tiros da polícia.

E deram tanto, mas tanto,

foram tantas cacetadas

de toda uma raça extinta,

era tão justa a refrega

dos caboclos de Tupã,

tão fraternos e preciosos

os golpes do contra-ataque,

que não houve jamais como

o pelotão resistir.

Seus carros antes possantes

ficaram despedaçados

e nenhum tira escapou:

todos levaram porrada.

Sem armas nem munições,

que os índios depois tomaram,

a polícia foi em cana

metendo o rabo entre as pernas.

Com o bando da lei detido

numa palhoça de varas,

mais pauladas foram dadas,

dessa vez como castigo,

por um ancião da tribo

e o cadáver do cachorro

(nosso irmão e nosso espelho)

assassinado por eles

a seguir foi esfregado

na cara de cada um.

De Brasília, o Romeu Tuma

com seus capangas mais fortes

foi lá conversar com os índios

para soltar os reféns.

Encontrou os guajajaras

preparados para a guerra

com suas caras pintadas.

Talvez não tivesse visto,

mas ventos elementares

faziam tremer a terra

por toda a Barra do Corda.

Sob o calor dos coqueiros,

cocares de antigas lutas

na glória da resistência

faziam gestos simbólicos.

Por trás de cada cunhã

com riscos na face triste,

foram hordas de fantasmas

tomados de amor da terra

que o Romeu Tuma encontrou.

Bom de papo, bem treinado

nas rodinhas de Brasília

depois de muita conversa

conseguiu a liberdade

dos subalternos detidos.

Mas as armas dos seus homens

os guajajaras não deram.

E agora, depois de tanta

estripulia e arbítrio,

impõem uma condição

para entregá-las aos donos:

que os brancos também devolvam,

por estar em suas terras,

o povoado já famoso

e bem, enfim, guajajara

pelas ressonâncias do nome

que é São Pedro dos Cacetes.




(Ilustração: índios guajajaras - foto de Vincent Carelli, 1980)

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