terça-feira, 8 de agosto de 2023

ELES VINHAM DA MISSA, de Maria Azenha

 

 




eles vinham da missa.

eles vinham da missa sozinhos.

traziam nos olhos o céu

nos pés talvez trouxessem

o coração.

eles vinham da missa …

mas eles vinham da missa sozinhos!

traziam nas mãos pechisbeques

unhas rentes oração

piolhos imaginados

um certo olhar vazio aveludado

em certo estilo

uma faca cravada nos dentes

uma amante nos slip’s

o põe-e-tira-a-chaga e tira-aquilo

dois lábios cronometrados

uma 6ª feira no adro

um frade no sermão.



eles vinham como um fardo.

eles vinham como o vinho.

eles vinham da missa amestrados

eles vinham consagrados.

e traziam à volta um chimpanzé

que lhes vendia a medo o império do Cavaco.

eles vinham da missa sozinhos

rodas-baixas na oração

com as damas pelos joelhos

ão, ão,

ao serviço dos supermercados.



eles vendiam a porcaria da Justiça

às galinhas da Praça!,

à Mexicana,

aos gelados sacré-coeur noites de Verão

eles traziam plantas carnívoras

nas barbas e nos lábios.



aos milhares como galáxias

eles diziam-se meus irmãos.

eles tinham um olho no deserto

e Outro ao lado das mãos.

eles vinham da missa.

eles vinham da notre-dame-nulle-part,

bourdel das lágrimas vazias,

pirâmides de Ravel.

mas está na moda um tumor de vez em quando

ou o Roberto Carneiro ou o Carneiro Carneiro

pisca-pisca na televisão.



eles tinham de facto filhos

como bolas de sabão,

e a mulher era a Nossa Senhora da Face das Papoilas

a constituir uma equipe de football.



às vezes eles saíam da missa aos domingos

com facas nas algibeiras,

faziam-se peditórios palestras

marchas Stº Antónios

uma marca na lapela

e está tudo a postos para a Gravação:

o céu a clientela o Santo Padre nas janelas

como um fantasma ao Sol.

eles tinham fome e roubavam

as estrelas moribundas que passavam.



ah! eles vinham da missa aos molhos

como uma procissão.

usam no próprio nome a Praça

e o desespero suga-lhes o coração

os termos a graça a raça

a Primavera de costas as mãos.

eu própria eu sei

que a Arte é uma coisa muito perigosa!

mas eles saem da missa

na vela dos seus iates.

e quando o Amor sopra

eles comem lagosta

no bidé da Praça.



eles fazem sempre amor quando o sacrário se abre.

eles inclinam as cabeças.

e se o Inverno intempestuosamente passa

eles põem olhos-de-sofrer nas gravatas.

eles são como flores fechadas

no enterro das Praças.

roubaram todo o ano o Templo dos Anarquistas!



eles sabem que a Arte é perigosa.

eles sabem que a Arte é preparada

Hora-a-Hora e não acaba.

eles têm medo quiçá das trevas do esteves cardoso

do Portas dos Poetas dos loucos dos pobres

dos filhos-de-Nada dos fala-Baratas

e por isso comem mortos!



mil e uma vezes eles sabem

que as armas dos Artistas

derrubam as Grades: a televisão os cigarros

as regras a macrobiótica

as greves os corpos

os deputados as datas,

quais fumos em Altos-fornos

por onde a gente passa!…



eles saem da missa sozinhos

mascando Haxe nos lábios.

eles fumam a favor da Liberdade.

eles sabem que estão salvos.

eles sabem que são bonzinhos.

eles sabem que Deus é Deus

e Deus sabe tudo como eles.

eles sabem jazz eles sabem eletricidade.

eles conhecem Expo-Sevilha,

eles sabem Fado.

eles sabem tudo.

eles comem tudo.

eles são a grafonola da Canalha.



a morte p’ra eles é Pop,

é molinha tem I.V.A. e tudo!

porque os outros é que morrem.

os outros é que atravessam

a porcaria da História,

com discursos com ruas

com buraquinhos

com beijocas nos cemitérios

com os Lusíadas debaixo do braço

com a Demasia do Pessoa

com a série-noire do Vang Gof

com panfletos na pátria

com moscas no cafezinho.



eles sabem que a Arte é perigosa.

eles são Pop!



são a estereofonia ouvida em mono.



eles vêm da missa de jeep

como cristóvão colombo de barco.

eles trazem a América no carro.

eles pintam a morte num abrir e fechar dólhos

como que a dedilhar uma trova

e os pobres dão-lhes um osso.

e eles mordem.

eles são mesmo óptimos!

estão salvos com o céu todo.

eles vivem no caixão do Padre.



eles sabem que a Reencarnação

é uma ideia retrógrada.

eles sabem tudo. eles sabem Nada.

eles usam Nódoas.



eles vão ao “dancing”

ao “Bora-Bora” ao “Trumps”

eles vão pôr flores nos campos

relinchando orações pela boca-fora.

eles dançam às modas.



eles trazem um tremoço de Dante

no nevoeiro de D. Sebastião.

eles usam saco. eles usam molas.

eles usam até as metáforas na Televisão.



eles usam tudo.

eles sabem tudo.

eles comem tudo.

eles fedem tudo.



eles usam até binóculos

para dançar à espanhola na História.



Olé! Olé! Olé!



eles sabem que a Arte

é a coisa mais perigosa!



por isso a Greve sendo pomposa

é um processo estatelado na Cova.

nunca se deve fazer Greve

a favor de Nada.



a Greve é o Cartoon do Cunhal.

a Greve é construção-Naval.

a Greve é um grande Carnaval:



compra a mãe compra o padre

compra o filho num segundo

compra todo o mundo.

compra tudo.



o que se deve é fazer Arte.

Arte é Diálogo!

Arte aos Berros! Arte Triunfal! Arte no Pontão!

Arte no Porão!

Arte no Coração!

Arte no Sangue! Arte na Garganta!

Arte às mãos-cheias da matéria

das galáxias!

Arte nas Igrejas! Arte nos Cavalos!

Arte no Jornal!

Arte nas crianças!



a Arte só se deve Vender às Baleias!



a Arte é o Espírito-todo o ano

todo o ouro atravessado nas igrejas.

a Arte é uma pedra violada

pelo chão!



a Arte é um Anjo!



a Arte é um carro envolto em nevoeiro

às buzinadelas na estrada,



a Arte meu Deus

não é uma ideia!



a Arte é Virgindade!

a Arte é reencarnação!

a Arte é a chuva

reencarnada nas montanhas!

a Arte é o vento

espetado nas veias,

a Arte é no mundo não haver Cadeias!

a Arte é o Amor amar todos por igual!

a Arte é tudo!

a Arte é Sinfonia!

a Arte é o maior Sinal!



mas eles saem da missa sem ideias…

eles saem para a rua

perfurados como um cartão …



E eu sou

como dizer-lhes?!

um Poeta de Variedades!!!





(Ilustração: Fred Benoit - La nonne dévoilée)

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