domingo, 20 de agosto de 2023

NOSSA IRMÃ LUA, de Noémia de Sousa

 






Uma irmãzinha meiga que nos cubra

a todos com a quentura terna e gostosa

do seu carinho...

que entorne toda a sua claridade

sobre as nossas tristes cabeças vergadas

e, como um feitiço forte e misterioso,

nos afugente as raivas fundas e dolorosas

de revoltados,

com a sua morna carícia de veludo...

sua enorme mão,

luminosamente branca, consegue-nos tudo.

E sob o seu feitiço potente, serenamos.

E pouco a pouco, momento a momento,

Sossegando vamos...

Fechando nossos olhos pacientes de esperar,

Já podemos vogar no mar

Parado dos nossos sonhos cansados...

E até podemos cantar!

Até podemos cantar o nosso lamento...

De olhos para dentro, para dentro de nós,

Sentimo-nos novamente humanos,

Somos nós novamente,

E não brutos e cegos animais aguilhoados...

Sim. Nós cantamos amorosamente

A lua amiga que é nossa irmã.

– Embora nos repitam que não,

nós o sentimos fundo no coração...

(que bem vemos

que no seu largo rosto de leite há sorrisos brandos de doçura

para nós, seus irmãos...)

só não compreendemos

como é que, sendo tão branca a nossa irmã,

nos possa ser tão completamente cristã,

se nós somos tão negros, tão negros,

como a noite mais solitária e mais desoladamente escura...




(In notícias, 07.03.1958, página “Moçambique 58”)



(Ilustração: John Madu - City Girls on rousseaus beach)



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