quarta-feira, 2 de agosto de 2023

ESPAÇO-TEMPO, de Adalcinda Camarão

 



Quero-te mesmo, amor, na ausência ou na presença,

com rumores de sombra, alarde ou desafios.

―Dormir num chão de luar à sombra de roseiras

ou sob os pirisais na baixada dos rios…



Assim te amo e te sei amando dia a dia,

acordada ou dormindo o germinal segredo.

E te abraço sem ter teu corpo ao meu, beijando

a saudade sem ser de quem se tem sem medo.



Amo-te mesmo, amor, no madrigal do tempo,

derrubando androceus e gineceus se amando

nas pálpebras do estio que o sono não acorda.



No teu dorso eu descanso a caminhada enorme

que fiz pra te encontrar ― lábios ardendo em busca

da tua noite azul onde minh’alma dorme.



Amo-te mesmo, amor. Se me vens ou te vais.

Sinto-te à flor da pele e à superfície da água

que dessedenta o bem que nos lava o mal.



Amo-te e não sei quem és ― teu nome nem origem.

Só sei que és homem são e me sabes mulher.

Que beleza este amor sem pranto nem vertigem,

sem princípio nem fim, nem dimensão sequer!



(Antologia Poética. Belém: 1995).



(Ilustração: Leonor Fini - L’Alcôve: autoportrait avec Nico Papatakis, 1941)



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