segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

CÂNTICO DOS CÂNTAROS, de Catarina Nunes de Almeida

 





Voltando um pouco atrás

à costura das fotografias

àquela escuridão pulmonar onde te vi

pela primeira vez onde eras

mais que certo quase cavalo

quase branco

a galope nos meus dentes.

Fotografias do tempo em que chamavas

árvore de rapina ao instrumento

que te educava os dedos.

Um dedilhar de amigo

à beira do vinhal.

Um encantar de amigo.



Se te deixasse ficar à sombra

haveria ainda as linhas da tua mão

tão irregulares tão imponderáveis

como a chuva nas boas noites.

Haveria ainda o perfume das grainhas

na primeira curva da manhã.

Era no tempo das fotografias.

Agora, dizes tu, há o orvalho dos murtais

um cesto silencioso e humano.



Nunca saberás que isso a que chamas

silêncio orvalho

eu chamo música

e toco-a.



(Bailias, 2011)





(Ilustração: escultura de Camille Claudel - a tocadora de flauta-1905)


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