terça-feira, 1 de dezembro de 2020

ARTE ERÓTICA, ENTRE O SENSUAL E O OBSCENO, de Charles Narloch

 







Toda obra de arte pode ser erótica, pois o erotismo está nos olhos de quem o vê. Jean-Paul Sartre, em "A Infância de um Chefe", escreve que "é um erro acreditar que existam objetos específicos do desejo sexual e que estes se resumam às mulheres. Tudo pode ser objeto do desejo". Um par de sapatos altos, um vestido transparente, um cavalo, um copo-de-leite. Nossa mente permite decodificá-los como objetos meramente representativos ou como símbolos eróticos poderosos, capazes de desencadear fetiches quase sempre inaceitáveis pela sociedade. Já é o suficiente para que muitos vejam neles uma obscenidade, numa tentativa irrefreável de negar o exercício do próprio prazer. 

Como não poderia deixar de ser, são raros os livros que tratam deste assunto sem medo de reproduzi-lo. É o caso de Arte Erótica, da editora Taschen, editado por Angelika Muthesius com texto de Gilles Néret. O autor explica que não é fácil descobrir e reproduzir obras eróticas. Os próprios artistas e posteriormente seus testamenteiros são os primeiros a escondê-las, dificultando o registro. Os curadores geralmente se abstêm, evitando expô-las ao público. Em vista disso, o autor elaborou seu texto em concordância com as obras a que teve acesso. Em cinco capítulos, Néret aborda o assunto com precaução, passando da importância do vestuário ao despir das vestimentas, dos jogos sensoriais à beleza do obsceno na cópula explícita, da Escola de Fontainebleau a Gilbert & George, de Tom of Finland a Marcel Duchamp. Repleto de chamadas para obras literárias e filosóficas, o texto é fartamente ilustrado por reproduções coloridas dispostas em sequência lógica, numa analogia atemporal surpreendente. 

O falso pudor da sociedade hipócrita diante da arte erótica é bem ilustrado no início desse livro por uma passagem de Baudelaire, em Mon coeur mis à nu. "Todos os imbecis da burguesia, que pronunciam as palavras moralidade e imoralidade na arte, trazem-me à memória Louise Villedieu, puta de cinco francos. Quando me acompanhava ao Louvre, ela começou a corar e perguntou-me, perante as estátuas e quadros imortais, como era possível exibir-se publicamente tais indecências..." A verdade é que todos nós – e não apenas Louise Villedieu e os artistas – apesar de tentarmos negar, somos obcecados pelo corpo humano. 

Há os artistas que destacam o corpo feminino, como Auguste Rodin, Pablo Picasso e René Magritte, manifestando o desejo de modificá-lo, fazendo de seus pormenores, objetos de um fetichismo coletivo, onde peças de vestuário surgem como uma segunda pele. Outros evidenciam o ideal masculino, como Francis Bacon, Andy Warhol e Robert Mapplethorpe. 

Christo e Jeanne Claude fazem inúmeras alusões antropomórficas às genitálias de ambos os sexos. Os órgãos sexuais que hoje chocam já foram representados com naturalidade por egípcios, persas, gregos, chineses e outros povos. A pedofilia é um tema que atormenta Caravaggio, Agnolo Bronzino, Salvador Dali e Balthus. A obra maneirista "Vênus e Cupido", pintada por Bronzino em 1540-45, ainda escandaliza por mostrar mãe e filho em jogos eróticos, num caso de incesto observado por uma multidão de voyeurs. 

Mas nem todas as obras eróticas se resumem à presença de símbolos de sugestão. Algumas são totalmente claras, explícitas, retratando a cópula como ideal de beleza e prazer. A maioria delas se resume a obras raras, de Leonardo da Vinci a Picasso. Poucos fizeram desta representação seu tema principal. É o caso de George Grosz, processado por isso na Alemanha, antes de se naturalizar americano, em 1938. 

O século vinte foi visivelmente marcado por mudanças radicais de comportamento, registradas na arte através do erotismo. O corpo foi transformado em objeto. Bonecas eróticas foram fabricadas em série, como mercadoria de consumo. Alguns artistas, como Hans Bellmer e Oskar Kokoschka, registraram ações perversas com elas. Sobre Kokoschka, sabe-se que por muito pouco não foi preso por ter abandonado no jardim de sua casa uma boneca decapitada que representava sua ex-amada que o abandonara. Entre 1915 e 1918, ele perambulou com sua boneca, para a qual chegou a alugar um camarote na ópera. Numa noite de loucura súbita, Kokoschka partiu o crânio de sua amada sintética, curando-se então de sua paixão infeliz. 

Schopenhauer já considerava que as manifestações do homem, artísticas ou não, são determinadas pelas tendências sexuais. Isso fica evidente nas obras de arte. O que dizer dos nus masculinos pintados e esculpidos por Michelangelo, que androgenizava as mulheres? Por que ele teria representado símbolos fálicos no teto da Capela Sistina? Para Freud, "o papel do artista é dar forma aos seus fantasmas e desejos, de acordo com regras estéticas. Tendo atenuado o choque inicial, as obras eróticas podem ser apresentadas aos outros homens que, como o artista, sofrem a repressão de seus desejos." Portanto, cabe ao público a maturidade necessária – que não depende da idade, mas de uma boa resolução de suas questões íntimas – para finalmente poder encarar a arte erótica com tranquilidade e equilíbrio. 



(A Notícia, 21 de abril de 2002) 



(Ilustração: Hans Bellmer - door of perception)



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