terça-feira, 26 de maio de 2020

CINCO SENTIDOS, de Armando Freitas Filho



1.


No meu olhar o recorte

da sua figura – sinal:

o afiado gume do corpo

e da linha que o desenha



lento, em cada tempo

do movimento, sinto

em cada vento, tênue

o móbile de sua presença.



2.


E cheiro em cheio a soma

do suor do sal, do açúcar

desse perfume que acentua

a imagem nua na lembrança

e sigo o rumo do aroma

que respiro na escura

câmara dos sentidos

onde procuro sua fuga



3.


quando, garra, minha mão

apalpa o chão do nada

ou os muros de pele

do corpo que persigo?



Sob a teia do meu tato

sob a veia do meu pulso

sob o impulso da memória

seguro areia ou figura?



4.


E mordo, mastigo e chupo

do centro do cerne da carne

do seu avesso onde mergulho

e bebo o beijo e o gosto



íntimo, nítido, e último

do imo da alma do âmago

do corpo que se desmancha

no espaço da minha boca.



5.


E escapa: mancha de som

esparso na qual o ouvido

capta o espasmo, o passo

da vida, a letra da voz



que se inscreve no sulco

no resgate do sangue: degrau

sob os panos e sob os sustos

do sono escuto seu nome.



(De corpo presente)




(Ilustração: Marc Chagall)




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