sexta-feira, 23 de outubro de 2015

ÉTICA ABSOLUTA, de Michael Shermer






Quando eu tinha 17 anos, tornei-me um cristão evangélico, não por algum motivo nobre ou racional, mas porque a maior parte de meus camaradas estavam fazendo isso, em particular o meu melhor amigo George Oakley, de cuja irmã eu gostava. Mesmo assim, razões rasas e triviais podem se tornar muito sérias, e eu entrei para valer no espírito do movimento, indo a aulas de estudo bíblico, "testemunhando" para não-cristãos (tentando convertê-los), e até me matriculando na graduação em Teologia da Universidade Pepperdine (depois mudei para Psicologia por razões práticas como conseguir um emprego). 

Minha primeira noção de problemas com sistemas éticos absolutos veio logo após minha conversão. Meu amigo Frank era realmente religioso e por isso eu deduzi que ele adoraria saber da minha nova fé. Não adorou. Na verdade, ele me deu uma bronca por ter escolhido a fé cristã errada e me disse que eu ainda estaria condenado se não fosse para a igreja dele: as Testemunhas de Jeová. Quanto mais igrejas e fés eu examinava, mais cônscio me tornava do fato de que todas pensam que só elas estão certas e todos mais estão errados. 

A maioria dos sistemas éticos são absolutos e a maioria dos sistemas absolutos derivam de fontes religiosas. Nos últimos 2.000 anos, por exemplo, houve aproximadamente 28.000 denominações cristãs diferentes. Só hoje, elas são aproximadamente 1.500, das quais todas professam ter a posse única da verdade absoluta. Não é possível que todas estejam certas. 

A maior parte dos sistemas éticos absolutos está baseada na dualidade simplística de recompensa e castigo, céu e inferno, uma moralidade muito infantil, como Isaac Asimov observou (1989, p. 6): 

"Eles pressupõem que os seres humanos não têm o sentido do que é certo ou errado. O único motivo de você ser virtuoso é porque isso lhe vale uma entrada para o céu? A única razão pela qual você não bate nas suas crianças até a morte é que você não quer ir para o inferno? Parece-me um insulto aos seres humanos insinuar que só um sistema de recompensas e punições pode fazer de você um ser humano decente. Não é concebível que uma pessoa quer ser um ser humano decente por que dessa forma ela se sente melhor? Por que dessa forma o mundo é melhor?" 

Obviamente o sistema de recompensa-punição não funciona, pois, como observou o Arcebispo de Canterbury, mesmo as sociedades mais religiosas têm uma abundância de crimes, violência e todo tipo de pecado. Como Laura Schlessinger diz em seu livro sobre a abdicação da moralidade, em resposta a um cristão que estava tendo um caso adúltero mas era incapaz de articular por que isso era ruim (além de dizer que era "um pecado"): "Ninguém mais hoje em dia está preocupado com raios e trovões, fogo eterno e enxofre, de modo que classificar um comportamento como pecado, em si e por si, não parece impressionar mais" (1996, p. 33). Nós precisamos de definições mais precisas. 

A Ética Absoluta, então, pode ser definida como um código inflexível de regras para o comportamento humano certo e errado, derivado de Deus, da Bíblia, do Alcorão, do Estado, da Natureza, ou algum cânon de ética ou filosofia. O problema com todos os sistemas de moralidades absolutas é que eles se põem como árbitros finais da verdade, criando dois tipos de pessoas: Boas e Más, Certas e Erradas, Crentes Verdadeiros e Hereges. 

Isso foi expresso por aquele sábio filósofo, Maxwell Smart [N.T: protagonista do seriado humorístico, Agente 86], que observou: "Não seja tola, 99. Nós temos de atirar, matar e destruir. Nós representamos tudo que há de bom e saudável no mundo." Infelizmente, tal retórica não se restringe a programas bobos de televisão. Richard Nixon usou essa retórica para proveito político (in Askenay, 1978): "Pode parecer melodramático dizer que os Estados Unidos e a Rússia representam o Bem e o Mal, a Luz e as Trevas, Deus e o Diabo. Mas pensar dessa forma ajuda a esclarecer a nossa perspectiva do conflito mundial." Numa linha similar, o anti-abortista Randall Terry, fundador da Operação Resgate, resumiu com clareza o absoluto problema com a ética absoluta: "Deixe uma onda de intolerância banhar você... Sim, o ódio é bom... Nosso objetivo é uma nação cristã... Somos chamados por Deus para conquistar este país... Não queremos pluralismo." (in Sagan, 1995, p. 430). 

Alguém pode objetar que umas poucas maçãs podres não estragam o barril. O Imperativo Categórico de Immanuel Kant, por exemplo, é uma tentativa razoável (mas falha) no campo da ética absoluta racional. Para Kant, se você quer julgar a correção ou incorreção de uma ação: "Aja somente de acordo com a máxima pela qual você pode ao mesmo tempo desejar que a ação se torne uma lei universal" (1785, p. 268). Alguém iria querer universalizar a mentira, o roubo, o adultério? Claro que não. Isso seria o fim dos contratos, da propriedade, dos casamentos. Mas nós de fato mentimos e muitas vezes há razões perfeitamente racionais para isso. 

O problema com a ética absoluta é que, já que virtualmente todo o mundo diz saber o que constitui uma ação correta versus uma ação errada, e já que virtualmente todos os sistemas morais diferem uns dos outros em maior ou menor grau, então não existe isso de uma ética absoluta racionalmente demonstrável. 




(Publicado em Skeptic, vol. 4, n.º 2, 1996, pp. 78-87. Tradução de Rodrigo Farias) 





(Ilustração: Stu Mead-1955) 



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