terça-feira, 19 de junho de 2012

O PALÁCIO DE CRISTAL, de Bill Bryson








No outono de 1850, no Hyde Park de Londres, surgiu um edifício extraordinário: uma gigantesca estrutura de ferro e vidro cobrindo mais de sete hectares de terreno, com um vasto espaço interior onde caberiam quatro igrejas do tamanho da catedral de Saint Paul. Durante sua breve existência, foi o maior edifício do mundo. Conhecido oficialmente como Palácio da Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações, era decerto magnífico; porém mais ainda por ser tão repentino, tão surpreendente por ser todo de vidro, tão gloriosa e inesperadamente real. Douglas Jerrold, colunista da revista semanal Punch, apelidou-o de Palácio de Cristal, e o nome pegou.

Sua construção levara apenas cinco meses. O simples fato de ter sido construído já fora um milagre - menos de um ano antes ele não existia nem sequer como ideia. A exposição para a qual fora concebido foi o sonho de um funcionário público chamado Henry Cole, cujo outro feito histórico foi inventar o cartão de Natal (para incentivar as pessoas a usarem o novo selo de um penny). Em 1849 Cole visitou a Exposição de Paris - um evento relativamente provinciano, limitado a fabricantes franceses - e se apaixonou pela ideia de tentar algo semelhante na Inglaterra, porém mais grandioso. Conseguiu que muitas pessoas ilustres, inclusive o príncipe Albert, se entusiasmassem com a ideia de uma Grande Exposição, e em 11 de janeiro de 1850 foi realizada a primeira reunião, visando inaugurá-la em 1º de maio do ano seguinte. Isso lhes daria menos de quinze meses para projetar e construir o maior edifício jamais imaginado, atrair e instalar dezenas de milhares de estandes vindos de todas as partes do globo, equipar restaurantes e banheiros, contratar pessoal, conseguir seguros e proteção policial, imprimir panfletos e mais um milhão de coisas, em um país que ainda nem estava convencido de que desejava uma produção tão cara e complicada. Era claro que se tratava de uma ambição inatingível, e nos meses seguintes ficou evidente que eles não conseguiriam alcançá-la. Em um concurso público foram apresentados 245 projetos para o edifício da exposição. Todos foram rejeitados como impraticáveis.

Temendo um desastre, a comissão fez o que às vezes fazem as comissões em circunstâncias desesperadoras: encomendou outra comissão, com um título melhor. O Comitê da Edificação da Real Comissão para a Grande Exposição dos Trabalhos da Indústria de Todas as Nações se compunha de quatro homens - Matthew Digby Wyatt, Owen Jones, Charles Wild e o grande engenheiro Isambard Kingdom Brunel -, e recebeu uma única instrução: apresentar um projeto digno da maior exposição da história, a ser iniciada em dez meses, dentro de um orçamento limitado e já reduzido. Dos quatro membros da comissão, apenas o jovem Wyatt era arquiteto formado, e na prática ainda não havia construído nada; nessa fase da carreira, ganhava a vida como escritor. Wild era um engenheiro com experiência quase exclusiva com barcos e pontes. Jones era decorador. Apenas Brunel tinha experiência com projetos de grande escala. Era, sem dúvida, um gênio, mas um gênio irritante, pois quase sempre eram necessárias quantidades épicas de tempo e dinheiro para encontrar a intersecção entre suas visões grandiosas e a realidade viável.

A estrutura concebida pelos quatro homens era espantosa, e nada feliz: uma espécie de enorme galpão, baixo e escuro, prenhe de melancolia, de espírito tão vivaz e animado como um matadouro. Parecia algo concebido às pressas por quatro pessoas trabalhando separadamente. O custo mal podia ser calculado, mas de qualquer forma aquilo parecia irrealizável. A construção exigiria 30 milhões de tijolos, e ninguém garantia que essa quantidade pudesse ser adquirida, muito menos assentada, no prazo. O conjunto seria coroado pela contribuição de Brunel: uma cúpula de ferro de sessenta metros de diâmetro - uma estrutura notável, sem dúvida, mas bastante estranha em um edifício térreo. Ninguém jamais construíra algo tão maciço feito de ferro; e Brunel não podia, naturalmente, começar a experimentar e içar peças sem que antes houvesse um edifício embaixo. E tudo isso tinha que ser realizado e concluído em dez meses, para um projeto destinado a existir por menos de meio ano. Quem iria desmontar tudo aquilo depois, e o que seria feito da sua poderosa cúpula e dos seus milhões de tijolos? Eram perguntas incômodas demais para enfrentar.

Nessa crise que se desenrolava entrou a figura calma de Joseph Paxton, jardineiro-chefe de Chatsworth House, mansão principal do duque de Devonshire (mas localizada, à peculiar maneira inglesa, em Derbyshire). Paxton era um assombro. Nascido em 1803 em Bedfordshire, filho de uma família rural pobre, aos catorze anos foi mandado para trabalhar como aprendiz de jardineiro, mas distinguiu-se de tal maneira que em seis anos estava dirigindo um arboreto experimental na nova e prestigiosa Horticultural Society (que logo se tornaria a Royal Horticultural Society), no oeste de Londres - cargo de responsabilidade surpreendente para alguém que era ainda apenas um rapazola. Certo dia ele teve uma conversa com o duque de Devonshire, que possuía a vizinha Chiswick House e mais uma grande parte das Ilhas Britânicas - cerca de 80 mil hectares de terras produtivas estendendo-se ao pé de sete grandes mansões senhoriais. O duque gostou de Paxton de imediato, não tanto porque este demonstrasse qualquer talento especial mas, ao que consta, porque falava com voz forte e clara. O duque ouvia mal e apreciava a clareza da fala. Em um impulso, convidou Paxton para ser jardineiro-chefe de Chatsworth, e Paxton aceitou. Tinha 22 anos de idade.

Foi a iniciativa mais sábia jamais tomada por um aristocrata. Paxton mergulhou no trabalho com uma energia e dedicação que a todos deslumbrava. Projetou e instalou a famosa Fonte do Imperador, que lançava um jato de água a oitenta metros no ar - proeza de engenharia hidráulica que até hoje só foi superada uma vez na Europa; construiu o maior jardim de pedras ornamentais do país; projetou um novo bairro residencial na propriedade; tornou-se o maior especialista mundial em dálias; ganhou prêmio por produzir os melhores melões, figos, pêssegos e nectarinas do país; e criou uma enorme estufa tropical, conhecida como "Grande Fogão", que cobria 4 mil metros quadrados de terreno e era tão espaçosa que em 1843, durante uma visita, a rainha Vitória excursionou dentro dela em uma carruagem com cavalos. Melhorando a administração das propriedades, eliminou dívidas do duque num total de 1 milhão de libras esterlinas. Com as bênçãos do duque, lançou e dirigiu duas revistas de jardinagem e um jornal diário nacional, o Daily News, que durante um breve período foi editado por Charles Dickens. Escreveu livros sobre jardinagem; investiu tão sabiamente em ações de empresas ferroviárias que foi convidado para o conselho de três delas; e, em Birkenhead, perto de Liverpool, projetou e construiu o primeiro parque municipal do mundo. O parque encantou de tal maneira o americano Frederick Law Olmsted que este o tomou como modelo para construir o Central Park em Nova York. Em 1849, o botânico-chefe do jardim botânico Kew Gardens enviou a Paxton um raro espécime de lírio atacado de doença, perguntando se ele poderia salvá-lo. Paxton projetou uma estufa especial e - você não ficaria surpreso ao saber - em três meses o lírio entrou em floração.

Quando soube que os responsáveis pela Grande Exposição estavam com dificuldades para encontrar um projeto para o salão, ocorreu-lhe que algo como a sua estufa poderia dar certo. Enquanto presidia uma reunião de um comitê da ferrovia Midland, rabiscou um esboço em um pedaço de mata-borrão e em duas semanas completou os desenhos prontos para apresentação. O projeto infringia todas as regras da concorrência pública. Foi apresentado após a data de encerramento; e, apesar de todo o seu vidro e ferro, incorporava muitos materiais combustíveis, como milhares de metros quadrados de pisos de madeira, estritamente proibidos pelas regras. Os consultores arquitetônicos observaram, não sem razão, que Paxton não era arquiteto e nunca tinha tentado nada nessa escala. Nem ele nem ninguém, claro. Por essa razão, ninguém podia afirmar com total confiança que o projeto daria certo. Muitos temiam que o edifício ficaria insuportavelmente quente com o sol e a multidão de visitantes. Outros temiam que as barras de ferro fossem expandir-se no calor do verão e os gigantescos painéis de vidro se soltariam, silenciosamente, despencando sobre os visitantes lá embaixo. A preocupação mais profunda era com que todo o edifício, de aparência tão frágil, seria simplesmente derrubado por uma tempestade.

Assim, os riscos eram consideráveis e agudamente sentidos; mas, depois de alguns poucos dias de hesitação e impaciência, a comissão aprovou o plano de Paxton. Não há nada - absolutamente nada - mais revelador sobre a Inglaterra vitoriana e o seu ocasional brilho do que o fato de o edifício mais ousado e mais emblemático do século ter sido confiado a um jardineiro. O Palácio de Cristal de Paxton não necessitava de tijolo algum - tampouco de cimento, argamassa ou alicerces. Foi apenas montado aparafusando-se as peças, e assentado no solo como uma tenda. Mais que uma solução engenhosa para um desafio monumental, era uma mudança radical a partir de qualquer coisa já tentada.

A virtude básica do arejado palácio de Paxton era ser pré-fabricado a partir de peças padronizadas. Sua peça-chave era um único componente: uma treliça de vigas de ferro fundido, com sete metros de comprimento e noventa centímetros de largura, que podia ser montada com outras treliças correspondentes, formando uma armação na qual se encaixavam os painéis de vidro - mais de 90 mil metros quadrados de painéis, ou seja, um terço de todo o vidro normalmente produzido na Grã-Bretanha em um ano. Foi projetada uma plataforma móvel especial que se movia ao longo dos suportes do teto, permitindo que os operários instalassem 18 mil painéis de vidro por semana - uma produtividade que era, e ainda é, uma maravilha de eficiência. Para dar conta da enorme quantidade de calhas necessárias - cerca de trinta quilômetros ao todo -, Paxton projetou uma máquina, operada por uma pequena equipe, capaz de instalar seiscentos metros de calhas por dia - quantidade que normalmente exigiria um dia de trabalho de trezentos homens. Em todos os sentidos, o projeto era uma maravilha.

Paxton teve muita sorte, pois justamente na época da Grande Exposição o vidro de repente se tornou bastante disponível, como nunca acontecera. O vidro sempre fora um material complicado. Não era fácil de fazer, e muito difícil de fabricar com qualidade, por isso, em grande parte da sua história foi artigo de luxo. Felizmente, dois recentes avanços tecnológicos mudaram a situação. Em primeiro lugar, os franceses inventaram a chapa de vidro - assim chamada porque o vidro derretido era espalhado em cima de chapas. Isso permitiu, pela primeira vez, a criação de grandes painéis de vidro, possibilitando o surgimento das vitrines. Os painéis, porém, tinham que ser resfriados por dez dias depois de fabricados, e assim cada chapa de apoio ficava sem uso a maior parte do tempo; depois disso o vidro tinha que ser lixado e polido. Isso tudo, naturalmente, encarecia o produto. Em 1838 foi desenvolvido um refinamento mais barato - a placa de vidro. Esta tinha a maioria das virtudes das chapas, mas esfriava mais depressa e exigia menos polimento, barateando a produção. De repente, placas de vidro de bom tamanho podiam ser produzidas economicamente, em volumes ilimitados.

Aliada a isso veio a oportuna abolição dos dois antigos impostos: o imposto sobre as janelas e o imposto sobre o vidro (a rigor, um imposto sobre artigos de luxo). O imposto sobre as janelas datava de 1696 e era tão pesado que as pessoas realmente evitavam ao máximo colocar janelas nos edifícios. As aberturas de janelas tapadas com tijolos, tão características de muitas construções antigas e que ainda vemos na Grã-Bretanha de hoje, com frequência eram pitadas para parecerem janelas. (De certa forma, é pena que não sejam mais.) A população se ressentia extremamente do chamado "imposto sobre o ar e a luz", que condenava muitos criados e outros de poucos meios a viver em aposentos abafados e escuros.

O segundo imposto, introduzido em 1746, não se baseava no número de janelas, mas no peso do vidro que as compunha, de modo que durante todo o período georgiano se fabricou vidro fino e quebradiço, e os batentes das janelas tinham que ser mais resistentes para compensar. As conhecidas vidraças olho de boi também entraram na moda nesse momento. São consequência da fabricação do chamado vidro "coroa" (assim chamado por ser ligeiramente convexo, ou em forma de coroa). O olho de boi marcava o lugar da placa de vidro onde o artesão tinha fixado o pontil - o tubo metálico por onde se sopra o vidro. Como essa parte do vidro ficava danificada, escapava do imposto; e assim se tornou atraente como material econômico. As vidraças olho de boi se tornaram populares em pousadas e estabelecimentos menos nobres, e também na traseira das residências, onde não se exigia qualidade. Esse imposto foi abolido em 1845, pouco antes do seu centésimo aniversário; e logo se seguiu a abolição do imposto sobre o vidro - por uma feliz casualidade, em 1851. Justo no momento em que Paxton precisava de mais vidro do que jamais fora necessário, o preço caiu a menos da metade. Isso, somado às mudanças tecnológicas que aceleravam a produção, foi o impulso que possibilitou a construção do Palácio de Cristal.

Quando terminado, o edifício tinha exatamente 1851 pés de comprimento (em comemoração ao ano), ou seja, 564 metros; 124 metros de largura e quase 33 metros de altura ao longo da sua espinha dorsal central. Sua altura lhe permitia abrigar uma admirada alameda de olmos, que do contrário teriam que ser derrubados. Devido ao seu tamanho, a estrutura exigiu uma quantidade enorme de materiais: 293.655 painéis de vidro, 33 mil treliças de ferro e milhares de metros quadrados de pisos de madeira; contudo, graças aos métodos de Paxton, o custo final foi extremamente modesto: apenas 80 mil libras. Do início ao fim, a construção levou menos de 35 semanas. A catedral de Saint Paul necessitara de 35 anos.

A três quilômetros dali, o novo Parlamento já estava em construção havia uma década, ainda longe de ser terminado. Um escritor da Punch sugeriu meio brincando, meio a sério, que o governo encomendasse a Paxton o projeto de um "Parlamento de Cristal". Surgiu um clichê para qualquer problema que parecesse insolúvel: " Pergunte ao Paxton".

O Palácio de Cristal era ao mesmo tempo o maior edifício do mundo e o mais leve, o mais etéreo. Hoje estamos acostumados a encontrar grandes quantidades de vidro, mas para alguém que vivia em 1851 a ideia de passear dentro de um enorme espaço, iluminado e arejado, dentro de um edifício, devia ser deslumbrante - até vertiginosa. A imagem que os visitantes tinham ao ver de longe o Pavilhão de Exposições, todo transparente, a brilhar, vai além de nossa imaginação. Pareceria tão delicado e evanescente, tão implausível e miraculoso como uma bolha de sabão. Para quem chegasse ao Hyde Park, a primeira visão do Palácio de Cristal flutuando acima das árvores, faiscando ao sol, seria um momento de esplendor, de deixar qualquer um de pernas bambas.




(Em casa, uma breve história da vida doméstica, tradução de Isa Mara Lando)




(Ilustração: Crystal Palace, from Dickinson's Comprehensive Pictures of the Great Exhibition of 1851, 1854)













Nenhum comentário:

Postar um comentário