sábado, 1 de janeiro de 2011
A RUA DO PADRE INGLÊS, de Everardo Norões
Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez.
Joga o xadrez da desgraça:
uma sombra na vidraça
é o seu parceiro demente.
(Entre a dama e o cavalo,
corre um rio de afogados).
De sua cama, ainda quente,
um bafo de nicotina.
Vem um cheiro de latrina
da cela defronte à sua.
Na rua do Padre Inglês
um louco fala francês
com acentos de Baudelaire...
(O flamboyant encarnado
se mistura ao espetáculo
da esquizofrênica rua).
O bispo toma o cavalo
das mãos da dama de preto.
(São cinco horas da tarde:
as luzes se apagam cedo.)
Batente do meio-fio:
vem vindo a sombra da noiva,
sozinha, morta de medo.
(O louco avista das grades
as andorinhas azuis
que voam feito morcegos.)
Na rua do Padre Inglês,
um cheiro de gasolina.
{O louco engendra seu mate
contra a sombra na vidraça.}
São cinco em ponto da tarde
(cinco de Ignacio Mejías,
pensa o louco em sua cela)
— dos girassóis de Van Gogh
à solidão amarela...
O cavalo solta as crinas,
a noiva voa na rua
e nas vozes de um menino
acordes de um violino.
O louco sabe que o tempo
de dormir já vem chegando...
(Corujas soltas na cela
bicam as flores de papel
e uma boneca de pano).
Corre, corre, vem depressa,
Que a noite já vem chegando!
Na rua do Padre Inglês
um louco joga xadrez...
(Ilustração: Adedos - I don’t have a problem)
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