segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

QUARTO DE GUARDADOS, de Luiz Cláudio Cerqueira





Limpeza hoje do nosso quartinho de guardados. Às vezes penso que, apesar de tantas coisas entulhadas lá, de tantas coisas que guardamos, comprovantes, extratos bancários, ah, deixa pra lá, tanta coisa... penso que às vezes nada guardamos de fato, que nada temos, que nada somos.

Nada. Nada, após tantos anos. Uma sensação de vazio mais que uma sensação, uma verdade certa convicta de que, se nunca fui, menos agora sou. Cada vez menos.

Vem uma agonia, uma vontade de gritar, DE CORRER, DE FUGIR PORQUE FICAR É O NADA, mas ao mesmo tempo nada é bom porque nada é, pode não haver nada com que se preocupar, nada a temer. Como você sempre diz, não é mesmo?

Entrego-me à limpeza para ficar cansada, cansar é bom, languidez que faz esquecer e até mesmo atordoa, mas agora é limpar, limpar, limpar, limpar, limpar, limpar, limpar, limpar.
Par que já formamos lembro durante a limpeza, e faço força, força mesmo, até sangrar as velhas coisas peças velharias que se amontoam.

Encontro a velha foto daquele tempo bom, tempo em que me encantavam os tapetes amarelos debaixo das tipuanas, e eu não gostava que varressem as calçadas debaixo das tipuanas, tempo de sonhar e esperar pelo amanhã. Hoje meu sono é chumbo, um ensaio de morte e quando acordo lamento.

Esfrego a foto com raiva, esperança raivosa de que a mágica se faça o gênio da foto apareça e diga meu bem, meu amor, que bom viver, que linda você é como se fosse aquilo que eu sempre quis, que bom, que bom, que bom.

Esqueço um pouco, esquecer é bom minha mente vazia me faz bem, depois penso no almoço só por pensar e aquela pequena aranha papa moscas me incomoda, coitada dela, tão frágil e pequenina, mas tenho que matá-la porque é preciso.

Lindo par a limpar de novo vem e quase desfaleço, peço socorro a mim mesma e de mim mesma escarneço, um ovo frito com arroz, só isso, num prato branco, um copo de água duas colheres de arroz ovo frito copo d’água.

Depois... já ansiei esperei aguardei alarmei desesperei agora não sei, nem sou... fico.

Por ora fico, e hoje no jantar tem fígado.




(Ilustração: Anthony Christian – Zurbaran revisted)






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