segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
ASSOMBRAÇÃO, de Dinah Silveira de Queiroz
Uma noite, ao receber a visita de uma amiga, lembrei-me de lhe emprestar um romance. Fora a minha leitura da véspera, e eu o deixara na mesinha de cabeceira. Subi a escada, e entrei no quarto. Curioso. Alguém acendera a luz... E no entanto, eu estava certa de que ninguém subira. Caminhei intrigada, pressentindo qualquer acontecimento... Olhei minha cama e vi nela uma mulher deitada. Uma mulher... morta – ela... estava morta! tinha um horrível vestido de lantejoulas de todas as cores, a aparecia coberta de joias baratas.
Suando frio, procurando dominar o coração desordenado, cheguei mais perto. Meu Deus! Aquela face nojentamente pintada era a minha própria face! Como se alguém fizesse de mim um retrato de degradação... Meu próprio rosto... mais velho – muito mais velho! – com maqulagem de atriz decadente! Queria gritar... chamar todos... Não me foi possível. Fiquei fascinada, encarando aquele meu próprio eu degradado e envelhecido, coberto de joias. De súbito, à altura do coração, de sob as lantejoulas, principiou a correr um esguicho de sangue, que ia engrossando, que se tornava maior. Nele, iam submergindo o colo, os braços, o corpo, a longa saia rutilante de meu terrível “double”. A mulher estava coberta de sangue, e seu rosto dele se destacava estranhamente branco, como a face de um pierrô trágico.
Então... ah, só então eu consegui gritar. Voltei correndo... mas, junto da escada, perdi os sentidos.
(As Noites do Morro do Encanto)
(Ilustração: Mia Makila)
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