quinta-feira, 17 de junho de 2010
O SUJEITO QUE BUSCA UM CAFÉ, de Toni D’Agostinho
Chegou, enfim, o dia pelo qual seu Fialho sonhara desde a entrada na casa dos 40: foi promovido de “sujeito que busca um café” a assessor de gabinete do vereador - como certificava o memorando em sua mão. A glória pessoal asseverada pelos pormenores institucionais inflava seu íntimo de circunstâncias. Se antes, as aves de rapina, ávidas por mordiscar um naco do dinheiro público, pediam café e sequer olhavam nos olhos de quem as servia, doravante, para usufruir das benesses que a casa da vereança oferece, seria preciso mostrar os dentes num largo sorriso e apertar amistosamente a mão de seu Fialho, assessor de gabinete do vereador, conforme explicita o memorando - não custa repetir.
Coincidindo com a estreia no cargo, eis que o prefeito resolveu visitar a assembleia para os tratos da política; assim que deu as caras no gabinete do vereador, foi recebido pelo próprio que, devido ao automatismo do hábito, perdeu de vista as hierarquias:
- Vam’bora, Fialho... busca um café pro prefeito.
Seu Fialho vestiu a desilusão. Serviu. Tamanha a fragilidade de seu estado mental, tremeu ao passar a xícara à mão do prefeito e gotejou café no chão; acidente mínimo e sem grandes consequências para chamar a atenção dos protagonistas do poder, que saíram do gabinete entre risos e abraços. Seu Fialho sentiu-se parvo, sem motivação para esboçar qualquer pensamento que lhe fosse útil; movido por um impulso primitivo, foi prestimoso. Limpou o café que havia caído. Usou o memorando.
(Ilustração: Odilon Redon - The egg)
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