sábado, 19 de dezembro de 2009

SAUDADE DE CERTO INSTANTE, de Marcel Proust






O sol se havia posto. A natureza recomeçava a reinar sobre o Bois, de onde se alara a ideia de que era o Jardim Elísio da Mulher; acima do moinho falso, o verdadeiro céu era cinzento; o vento enrugava o Grande Lago em pequeninas vagas, como um lago; grandes pássaros cruzavam rapidamente o Bosque, como a um bosque, e soltando gritos agudos, pousavam um após outro nos grandes carvalhos que, sob a sua coroa druídica e com uma majestade dodônea, pareciam proclamar o vazio inumano da floresta desapropriada, e me ajudavam a melhor compreender a contradição que existe em procurar na realidade os quadros da memória, aos quais faltaria sempre o encanto que lhes vem da própria memória e de não serem percebidos pelos sentidos. A realidade que eu conhecera não mais existia. Bastava que a senhora Swann não chegasse exatamente igual e no mesmo momento que antes, para que a avenida fosse outra. Os lugares que conhecemos não pertencem tampouco ao mundo do espaço, onde os situamos para maior facilidade. Não eram mais que uma delgada fatia no meio de impressões contíguas que formavam a nossa vida de então; a recordação de certa imagem não é senão saudade de certo instante; e as casas, os caminhos, as avenidas são fugitivos, infelizmente, como os anos.




(Em Busca do Tempo Perdido – No Caminho de Swann, tradução de Mário Quintana)



(Ilustração: Camille Pissarro)


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