terça-feira, 10 de setembro de 2024

RECADO, de Al Berto (*)

 

   


ouve-me

que o dia te seja limpo e

a cada esquina de luz possas recolher

alimento suficiente para a tua morte



vai até onde ninguém te possa falar

ou reconhecer - vai por esse campo

de crateras extintas - vai por essa porta

de água tão vasta quanto a noite



deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te

e as loucas aveias que o ácido enferrujou

erguerem-se na vertigem do voo - deixa

que o outono traga os pássaros e as abelhas

para pernoitarem na doçura

do teu breve coração - ouve-me



que o dia te seja limpo

e para lá da pele constrói o arco de sal

a morada eterna - o mar por onde fugirá

o etéreo visitante desta noite



não esqueças o navio carregado de lumes

de desejos em poeira - não esqueças o ouro

o marfim - os sessenta comprimidos letais

ao pequeno-almoço



(*) Pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, poeta, pintor, editor e animador cultural português.

(Ilustração: Carel Fabritius - sentinela, 1654)

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