sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

OS DOIS GATOS, Bocage

  

 




Dois bichanos se encontraram

Sobre uma trapeira um dia:

(Creio que não foi no tempo

Da amorosa gritaria).



De um deles todo o conchego

Era dormir no borralho;

O outro em leito de senhora

Tinha mimoso agasalho.



Ao primeiro o dono humilde

Espinhas apenas dava;

Com esquisitos manjares

O segundo se engordava.



Miou, e lambeu-o aquele

Por o ver da sua casta;

Eis que o brutinho orgulhoso

De si com desdém o afasta.



Aguda unha vibrando

Lhe diz:” Gato vil e pobre,

Tens semelhante ousadia

Comigo, opulento, e nobre?



Cuidas que sou como tu?

Asneirão, quanto te enganas!

Entendes que me sustento

De espinhas, ou barbatanas?



Logro tudo o que desejo,

Dão-me de comer na mão;

Tu lazeras, e dormimos

Eu na cama, e tu no chão.



Poderás dizer-me a isto

Que nunca te conheci;

Mas para ver que não minto

Basta-me olhar para ti.”



”Ui! (responde-lhe o gatorro,

Mostrando um ar de estranheza)

És mais que eu? Que distinção

Pôs em nós a Natureza?



Tens mais valor? Eis aqui

A ocasião de o provar.”

”Nada (acode o cavalheiro)

Eu não costumo brigar.”



”Então (torna-lhe enfadado

O nosso vilão ruim)

Se tu não és mais valente,

Em que és sup’rior a mim?



Tu não mias?” – ”Mio.” – ”E sentes

Gosto em pilhar algum rato?”

”Sim.” – E o comes?” – ”Oh! Se como!…”

”Logo não passas de um gato.



Abate, pois, esse orgulho,

Intratável criatura:

Não tens mais nobreza que eu;

O que tens é mais ventura.”





(Ilustração : Jean-Baptiste Oudry - Les deux chats, 1725)

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