segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

MUERTE DE SOLEDAD BARRETT / MORTE DE SOLEDAD BARRETT, de Mario Benedetti (*)

 


  Viviste aquí por meses o por años

trazaste aquí una recta de melancolía

que atravesó las vidas y las calles



Hace diez años tu adolescencia fue noticia

te tajearon los muslos porque no quisiste

gritar viva Hitler ni abajo Fidel



Eran otros tiempos y otros escuadrones

pero aquellos tatuajes llenaron ele asombro

a cierto uruguay que vivía en la luna



y claro entonces no podías saber

que de algún modo eras

la prehistoria de ibero



Ahora acribillaron en Recife

tus veintisiete años

de amor templado y pena clandestina



Quizá nunca se sepa cómo ni por qué



Los cables dicen que te resististe

y no habrá más remedio que creerlo

porque lo cierto es que te resistías

con sólo colocárteles en frente

sólo mirarlos

sólo sonreír

sólo cantar cielitos cara al cielo



Con tu imagen segura

con tu pinta muchacha

pudiste ser modelo

actriz

miss Paraguay

carátula

almanaque

quién sabe cuántas cosas!



Pero el abuelo Rafael el viejo anarco

te tironeaba fuertemente la sangre

y vos sentías callada esos tirones



Soledad no viviste en soledad

por eso tu vida no se borra

simplemente se colma de señales



Soledad no moriste en soledad

por eso tu muerte no se llora

simplemente la izamos en el aire



desde ahora la nostalgia será

un viento fiel que hará flamear tu muerte

para que así aparezcan ejemplares y nítido

las franjas de tu vida



Ignoro si estarías

de minifalda o quizá de vaqueros

cuando la ráfaga de pernambuco

acabó con tus sueños completos



por lo menos no habrá sido fácil

cerrar tus grandes ojos claros

tus ojos donde la mejor violencia

se permitía razonables treguas

para volverse increíble bondad



y aunque por fin los hayan clausurado

es probable que aún sigas mirando

soledad compatriota de tres o cuatro pueblos

el limpio futuro por el que vivías

y por el que nunca te negaste a morir.



Tradução de Urariano Mota:



Viveste aqui por meses ou por anos

traçaste aqui uma reta de melancolia

que atravessou as vidas e a cidade



Faz dez anos tua adolescência foi notícia

te marcaram as coxas porque não quiseste

gritar viva Hitler nem abaixo Fidel



eram outros tempos e outros esquadrões

porém aquelas tatuagens encheram de assombro

a certo Uruguai que vivia na lua



e claro então não podias saber

que de algum modo eras

a pré-história do íbero



agora metralharam no recife

teus vinte e sete anos

de amor de têmpera e pena clandestina



talvez nunca se saiba como nem por quê



os telegramas dizem que resististe

e não haverá mais jeito que acreditar

porque o certo é que resistias

somente em te colocares à frente

só em mirá-los

só em sorrir



só em cantar cielitos com o rosto para o céu

com tua imagem segura

com teu ar de menina

podias ser modelo

atriz

miss Paraguai

capa de revista

calendário

quem sabe quantas coisas



porém o avô Rafael o velho anarco

te puxava fortemente o sangue

e tu sentias calada esses puxões



Soledad solidão não viveste sozinha

por isso tua vida não se apaga

simplesmente se enche de sinais



Soledad solidão não morreste sozinha

por isso tua morte não se chora

simplesmente a levantamos no ar



desde agora a nostalgia será

um vento fiel que flamejará tua morte

para que assim apareçam exemplares e nítido

as franjas de tua vida



ignoro se estarias

de minissaia ou talvez de jeans

quando a rajada de Pernambuco

acabou completo os teus sonhos



pelo menos não terá sido fácil

cerrar teus grandes olhos claros

teus olhos onde a melhor violência

se permitia razoáveis tréguas

para tornar-se incrível bondade



e ainda que por fim os tenham encerrado

é provável que ainda sigas olhando

Soledad compatriota de três ou quatro povos

o limpo futuro pelo qual vivias

e pelo qual nunca te negaste a morrer.



(*) Dia 8 de janeiro de 1973, a poetisa e intelectual paraguaia Soledad Barrett Viedma foi cruelmente torturada e assassinada pela ditadura militar, em Pernambuco. Ela estava grávida de Daniel, codinome do Cabo Anselmo, que a traiu e a entregou à sanha de seus algozes. Soledad foi encontrada nua, dentro de um barril numa poça de sangue, tendo aos pés o feto de quatro meses, expelido provavelmente durante as sessões de torturas. Este foi um dos mais hediondos crimes cometidos nos anos de regime militar no Brasil.

 

(Ilustração: foto da internet: Soledad Barrett Viedma - autoria não identificada)

 

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