segunda-feira, 4 de abril de 2022

AMANHECÊNCIA, de Flora Figueiredo

 




Quero ficar só,

para respirar a estrela.

Deixar a noite escorrer a mágoa,

dissolvê-la em enxurrada.

Não deixar nada a comprimir o peito.

Quero a madrugada de tal jeito,

que a alma possa flanar sem pouso certo

e sugar o primeiro brilho esperto

de uma gota.

Beijar a pétala rota

pelo mau jeito de um espinho,

deglutir devagarinho

o mel do espasmo nascente.

Quero o orgasmo

do pólen, da semente;

eu quero o sumo.

Para recompor a vida,

pra renascer o afeto,

pra retomar o rumo.



(Florescência, 1987)



(Ilustração: August Macke)


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