terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

CRIADOR E CRIATURA, de Alexandra Lopes da Cunha

 


Criaste um demônio

ao pousar em mim teus olhos

escuros de pólvora.

Queimei, incandesci,

desabrochei em primavera antecipada,

rubra flor carnívora,

expectante de ti.

Deste luz a este ser faminto dos teus afetos

e te foste,

irresponsavelmente desavisado,

as mãos nos bolsos, aos lábios,

uma melodia sibilante.

Me fiz em teus olhares,

deste forma ao meu corpo

na dança de tuas mãos,

moldaste-me ao teu gosto

e te foste!

A cria que iluminaste

com o fogo do teu desejo

consome-se,

devora a si mesma,

grita, urra sua dor

de amante órfã.

Por que te foste?



(Ilustração: Marie Laurencin)

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