terça-feira, 29 de setembro de 2020

SONHO, de Beatriz Nascimento

 


[A todas as mulheres pretas espalhadas pelo mundo, 

a todas as demais mulheres 

e a Isabel Nascimento, Regina Timbó 

e Marlene Cunha. 1989]. 



Seu nome era dor

Seu sorriso dilaceração

Seus braços e pernas, asas

Seu sexo seu escudo

Sua mente libertação

Nada satisfaz seu impulso

De mergulhar em prazer

Contra todas as correntes

Em uma só correnteza

Quem faz rolar quem tu és?

Mulher!...

Solitária e sólida

Envolvente e desafiante

Quem te impede de gritar

Do fundo de sua garganta

Único brado que alcança

Que te delimita

Mulher!

Marca de mito embotável

Mistério que a tudo anuncia

E que se expõe dia-a-dia

Quando deverias estar resguardada

Seu ritus de alegria

Seus véus entrecruzados de velharias

Da inóspita tradição irradias

Mulher!

Há corte e cortes profundos

Em sua pele em seu pelo

Há sulcos em sua face

Que são caminhos do mundo

São mapas indecifráveis

Em cartografia antiga

Precisas de um pirata

De boa pirataria

Que te arranques da selvageria

E te coloque, mais uma vez,

Diante do mundo

Mulher.





(Todas (as) distâncias: poemas, aforismos e ensaios de Beatriz Nascimento)



(Ilustração: Makiwa Mutomba - Zimbawe)




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