quarta-feira, 6 de novembro de 2019

FAZ ANOS NAVEGO O INCERTO, de Caio Fernando Abreu






Faz anos navego o incerto.

Não há roteiros nem portos.

Os mares são de enganos

e o prévio medo dos rochedos

nos prende em falsas calmarias.

As ilhas no horizonte, miragens verdes.

Eu não queria nada além

de olhar estrelas

como quem nada sabe

para trocar palavras, quem sabe um toque

com o surdo camarote ao lado

mas tenho medo do navio fantasma

perdido em pontas sobre o tombadilho

dou a face e forma a vultos embaçados.

A lua cheia diminui a cada dia.

Não há respostas.

Queria só um amigo onde pudesse jogar o coração

como uma âncora.



(Ilustração: Paul Cézanne - le rêve du poète)





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