sábado, 28 de outubro de 2017

CANTAR D'AMIGO, de Fernando Namora








Estrangeiro!

talharam-nos em redor fossos, limites

e o cerco das fronteiras.

Estrangeiro! Ninguém entendeu, e nem tu, estrangeiro,

que entre nós não existem cordilheiras.



Ficaste de mãos desastradas, indiferentes,

quando a minha vida roçou a tua vida.

De olhos parados, indiferentes,

quando passei a teu lado.



Estrangeiro! Ficou-me esse desperdício de um adeus

que as tuas mãos frias não disseram,

nem os teus olhos vidrados,

nem a tua boca selada,

mas que eu pressenti, como alguém à beira de um cais,

ao ver sair barcos com gente que nos é estranha,

agitando lenços estranhos

alguém que sofre por nada.

Iludimos a vida, amigo!

E como para ultrapassar as fronteiras

os fossos,

as ironias

bastaria um só olhar!...

Não, estrangeiro! Vamos misturar o sangue dos rios

o abismo dos mapas

fazer qualquer coisa! misturar, misturar.







(Ilustração: Charles Carson - l'union des peuples)




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