De que te serve um corpo que não tem prazer?
De que te serve um corpo que não dá prazer?
De que te serve esse corpo se não o sabes?
Se nunca o soubeste?
Por receio em tocá-lo não o despertaste
Por falta de sabedoria não o ensinaste
Tampouco aprendeste com ele
O que tem esse corpo que jamais o entregas a outro?
Que segredo há nele que outros não possam desvendar?
Por que não submetê-lo às encruzilhadas para que ele decida o que fazer?
Por que não expô-lo às sensações, aos arrepios, às mudanças de lua?
Para que o preservas tanto se conheces o destino final da carne humana?
Tu o castigas, diariamente, deixando-o apartado de ti, como desconhecidos que devem coabitar sem trocar palavra.
Tu o exilas, o relegas às sombras.
Um corpo que não tem ciência da alvorada que se anuncia, do despertar da natureza, do clarão do mundo?
Por que não deixar essa tua pele suar, extrair dela gotas de orvalho, relva macia, sumos adocicados?
O que imaginas? Por que tamanho embotamento?
Talvez, não queiras ferir esse teu corpo! Mas, se o feres ainda mais trancando-o a si mesmo? Como aqueles pais que proíbem a criança de sair à rua para brincar.
Como não deixar teu corpo, brincar um pouco? Ganhar as ruas? As gentes? A ter notícia das intenções alheias? Pois que o mundo é recheado delas, as intenções. Sejam elas boas, ou más, ingênuas, demoníacas.
Tens um corpo bem cuidado, agradável, passível de prazer, pois que prazer na verdade é prerrogativa de qualquer corpo vivo, mas teu corpo nada sabe, nada contaste a ele. Teu corpo é virgem do gozo por força da tua vontade, que ao invés de facilitá-lo, toma-o como adversário, batendo forças com ele.
Criaste para ele masmorra, cela solitária, a travar tuas mãos, tolher teus gestos, recolher teu sexo. Nada ensaias a não ser sublimação e angústia?
És escravo de ti mesmo e teu algoz. Há em ti um carrasco que não te abandona, porque assim o permites.
És o opositor de ti mesmo. Protagonista e antagonista da tua própria história, censurada desde sempre por tua consciência, ninguém mais. Censurada por uma moral pegajosa da qual não consegues te livrar (Há sempre tempo!)
Há sempre tempo de arrancares a mortalha em que te arrastas para lançares-te no vácuo do mundo, ouvires por fim teus instintos, acolheres teus humores e de forma indubitável, renasceres de uma vez por todas para ti.
(Ilustração: Ray Caesar – blackbird)
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