sábado, 4 de fevereiro de 2017

EL RELOJ DE ARENA / O RELÓGIO DE AREIA, de Jorge Luis Borges







Está bien que se mida con la dura

Sombra que una columna en el estío

Arroja o con el agua de aquel río

En que Heráclito vio nuestra locura



El tiempo, ya que al tiempo y al destino

Se parecen los dos: la imponderable

Sombra diurna y el curso irrevocable

Del agua que prosigue su camino.



Está bien, pero el tiempo en los desiertos

Otra substancia halló, suave y pesada,

Que parece haber sido imaginada

Para medir el tiempo de los muertos.



Surge así el alegórico instrumento

De los grabados de los diccionarios,

La pieza que los grises anticuarios

Relegarán al mundo ceniciento



Del alfil desparejo, de la espada

Inerme, del borroso telescopio,

Del sándalo mordido por el opio

Del polvo, del azar y de la nada.



¿Quién no se ha demorado ante el severo

Y tétrico instrumento que acompaña

En la diestra del dios a la guadaña

Y cuyas líneas repitió Durero?



Por el ápice abierto el cono inverso

Deja caer la cautelosa arena,

Oro gradual que se desprende y llena

El cóncavo cristal de su universo.



Hay un agrado en observar la arcana

Arena que resbala y que declina

Y, a punto de caer, se arremolina

Con una prisa que es del todo humana.



La arena de los ciclos es la misma

E infinita es la historia de la arena;

Así, bajo tus dichas o tu pena,

La invulnerable eternidad se abisma.



No se detiene nunca la caída

Yo me desangro, no el cristal. El rito

De decantar la arena es infinito

Y con la arena se nos va la vida.



En los minutos de la arena creo

Sentir el tiempo cósmico: la historia

Que encierra en sus espejos la memoria

O que ha disuelto el mágico Leteo.



El pilar de humo y el pilar de fuego,

Cartago y Roma y su apretada guerra,

Simón Mago, los siete pies de tierra

Que el rey sajón ofrece al rey noruego,



Todo lo arrastra y pierde este incansable

Hilo sutil de arena numerosa.

No he de salvarme yo, fortuita cosa

De tiempo, que es materia deleznable.



Tradução de Miguel Tamen:




Está certo que se meça com a dura

Sombra que uma coluna no estio

Arrasta ou com a água daquele rio

Em que Heráclito viu nossa loucura



O tempo, já que ao tempo e ao destino

Se assemelham os dois: a imponderável

Sombra diurna e o curso irrevogável

Da água que prossegue o seu caminho.



Está certo, mas o tempo nos desertos

Outra substância achou, suave e pesada,

Que parece ter sido imaginada

Com o fim de medir o tempo dos mortos.



Surge assim o alegórico instrumento

Figura de estampa dos dicionários,

A peça que os cinzentos antiquários

Relegarão ao mundo, que é cinzento.



Do bispo desigual e da espada

Inerme, do confuso telescópio,

Do sândalo mordido pelo ópio

Do pó e do acaso e do nada.



Quem não se demorou ante o severo

E tétrico instrumento que acompanha

À direita do deus o seu gadanho

E cujas linhas repetiu Dürer?



Pelo ápice aberto o cone inverso

Deixa cair a minuciosa areia,

Ouro gradual que se desprende e enche

Seu côncavo cristal e universo.



Há um agrado em observar a arcana

Areia que resvala e que declina

E, quase ao cair, se amontoa

Com uma pressa que é de todo humana.



A areia dos ciclos é a mesma,

Infinita é a história da areia;

Assim sob as tuas ditas, tua pena,

Se abisma a impoluta eternidade.



A queda jamais é interrompida.

Não o cristal, mas eu me sangro. O rito

De decantar a areia é infinito

E com a areia se nos vai a vida.



Nos minutos da areia se computa

E crê no tempo cósmico: a história

Que encerra nos espelhos a memória

Ou que o mago Leteu tem dissoluta.



O pilar de fumo e o pilar de fogo,

Cartago e Roma e sua árdua guerra,

Simão o Mago, os seus pés de terra

Que o rei saxão ao norueguês promete,



Tudo arrasta e perde este incansável

Fio subtil da areia numerosa.

Não me hei-de eu salvar, fortuita coisa

De tempo, que é matéria degradável.




Tradução de Rodrigo Madeira:



Tudo bem que se meça com a dura

Sombra que uma coluna em pleno estio

Projeta ou com as águas que há no rio

Em que Heráclito viu nossa loucura.



O tempo, já que ao tempo e à própria sorte

Se parecem os dois: a imponderável

Sombra que é diurna e o curso irrevogável

Das águas que se lançam em seu norte.



Tudo bem, mas o tempo nos desertos

Outra substância achou, pesada e vento,

Imaginada pra medir o tempo

Dos que já mortos não estão por perto.



Surge assim o alegórico instrumento

Dessas gravuras que há nos dicionários,

A peça que esses grises antiquários

Relegarão ao mundo então cinzento.



Do desemparelhado bispo, e a espada

Inerme, do confuso telescópio,

Do sândalo se o morde o incenso do ópio,

E da poeira, do azar, do próprio nada.



Quem não se demorou diante do hostil

E severo instrumento que acompanha

Na destra mão do deus uma gadanha,

E cujas linhas Dürer repetiu?



Por um ápice entreaberto o cone inverso

Deixa vazar a cautelosa areia,

O ouro que aos poucos vai deixando cheia

A âmbula de cristal, seu universo.



É agradável ficar olhando a arcana

Areia descendente que escorrega

E apinha-se já próxima da queda

Com sua pressa inteiramente humana.



É a mesma a areia em ciclos, impassível,

A história das areias é infinita;

Assim, haja alegrias ou desditas,

A eternidade abisma-se invencível.



Não se detém jamais sua descida;

Sou eu, não o cristal, que sangra. O rito

De decantar areias é infinito

E com a areia vai-se a nossa vida.



Nos minutos da areia eu acredito

Sentir o tempo cósmico, ou a história

Que enjaula em seus espelhos a memória

Ou que dissolve o Letes inaudito.



O pilar da fumaça e o do carvão,

Cartago e Roma na difícil guerra,

Simão, o Mago, os sete pés de terra

Que oferta ao norueguês o rei saxão,



A tudo arrasta e perde este incansável

Sutil e fino fio da areia muita.

Não hei de me salvar, coisa gratuita,

De tempo, que é matéria degradável.




Tradução de Josely Vianna Baptista:



Está certo que se meça com a dura

Sombra que uma coluna no estio

Estende ou com a água daquele rio

Em que Heráclito viu nossa loucura



O tempo, já que ao tempo e à sorte

Se parecem os dois: a imponderável

Sombra diurna e o curso irrevogável

Da água que prossegue em seu norte.



Está certo, mas o tempo nos desertos

Outra substância achou, suave e pesada,

Que parece ter sido imaginada

Para medir o tempo dos mortos.



Surge assim o alegórico instrumento

Das gravuras dos dicionários,

A peça que os grises antiquários

Relegarão a esse mundo cinzento



Do bispo sem seu par, da espada

Inerme, do apagado telescópio,

Do sândalo mordido pelo ópio,

Do próprio pó, do acaso e do nada.



Quem não se demorou perante o ríspido

E tétrico instrumento que acompanha

Na destra mão do deus uma gadanha,

Com o risco por Dürer repetido?



Pelo ápice aberto o cone inverso

Deixa cair a cautelosa areia,

Ouro gradual que se solta e recheia

O côncavo cristal, seu universo.


É agradável observar a arcana

Areia que desliza e que declina

E, prestes a cair, se recombina

Com uma pressa inteiramente humana.



A areia dos ciclos é imutável,

A história da areia é infinita;

E, sob tuas venturas ou a desdita,

Se abisma a eternidade invulnerável.



Não se detém jamais essa caída.

Eu me dessangro, não o vidro. O rito

De decantar a areia é infinito

E com a areia vai-se nossa vida.



Nos minutos da areia o tempo cósmico

Acredito sentir: aquela história

Que guarda em seus espelhos a memória

Ou a que dissolveu o Letes mágico.



O pilar de fumaça e o que fumega,

Cartago e Roma e a perigosa guerra,

Simão, o Mago, os sete pés de terra

Que o rei saxão oferta ao da Noruega,



A tudo arrasta e perde este infalível

Fio sutil de areia numerosa.

Não vou salvar-me eu, fortuita coisa

De tempo, que é matéria perecível.




(O Fazedor,1960)





(Ilustração: Salvador Dali - a persistência da memoria)





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