Aconteceu.
Ninguém espera
E, na primavera,
Foi-se o seio esquerdo.
Foi-se o toque,
Ficou a sensação fantasma
Foi-se o alimento,
Ficou o vazio no peito.
Como ser mulher, sem o seio esquerdo?
Como ser mãe, sem a mama esquerda?
Como ser profissional, sem o outro par?
Como se olhar no espelho nua?
O seio direito, encabulado,
Só e pendurado,
Emoldurando o luto
Do parceiro canhoto.
Está faltando o outro.
São dois.
Originalmente dois.
Há que ser dois.
Nunca mais seus dedos
Apertando a carne macia e rosada
Nunca mais sua boca
A brincar de trincar e arrepiar
Nunca mais a dança sensual
Dos pares no banho
E entre lençóis de cetim.
Há um imenso vazio
Bem maior que a mama
Que atinge camadas profundas
Da própria natureza fêmea.
Há a ausência constante
Lembrada todo o tempo
Pelo traço da cicatriz
Dessa ferida que não fecha.
Há a dor, os ductos, os lutos
Mágoa infiltrante, ingrata, infeliz.
Dias vividos sem perceber…
E para quê viver?
Olhos que nunca repararam,
Agora se recusam a olhar.
Não tem remédio.
Não tem escolha.
Tem alopécia, náusea e dor,
Tem quimioterapia.
Tem agonia,
Solidão de espinho e flor.
Tão falso o enchimento,
Disfarça a roupa,
Como peruca da alma,
Que dribla olhares piedosos
De mulher barbada de circo
Que extirpa seus próprios caroços.
Os dias arrastados, as horas contadas…
Quando volta ao normal?
Quando se acorda do pesadelo?
Ou tentar esquecê-lo?
É tão desigual, tão caolha!
Fica sem sentido, tão velha!
Um robusto, imponente, desejável,
Outro, um traço doente, indelével, lamentável.
Luta diária e desanimada
Para sobreviver.
Corpo sem jeito,
Mulher sem peito, que cala o grito
Tempo finito, seio bonito
Que se foi.
(Ilustração: Catherine Abel)
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