segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O PANÓPTICO, AGORA DIGITAL, de Paulo Brito





 

(...) O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na periferia, uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo efeito da contraluz pode-se perceber da torre, recortando-se exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que cada ator está sozinho, perfeitamente individualizado e constantemente visível. O dispositivo panóptico organiza unidades espaciais que permitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Em suma, o princípio da masmorra é invertido; ou antes, de suas três funções – trancar, privar de luz e esconder – só se conserva a primeira e suprimem-se as outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam melhor do que a sombra, que finalmente protegia. A visibilidade é uma armadilha. (FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1987.)

Os dispositivos eletrônicos de telecomunicação distribuídos na sociedade do século XXI, tais como telefones celulares e pagers bidirecionais, são extremidades de grandes sistemas interconectados que estão capturando, processando e transmitindo voz, dados pessoais, comerciais, bancários, corporais e de outras espécies num grau que, ao mesmo tempo em que é extremamente alto, já se tornou cotidiano, habitual e pouco a pouco vai se tornando natural, tendendo a ser imperceptível pela onipresença. A combinação do barateamento e disseminação desses dispositivos com a disseminação das redes de telecomunicações está inevitavelmente reunindo de modo perverso uma gigantesca variedade de recursos de monitoramento dos cidadãos, e que passam a estar disponíveis para governos, empresas, instituições ou para o crime organizado. Pelas mais variadas razões, o controle desses recursos torna-se estratégico para a sobrevivência de grupos, organizações, processos ou Estados. O atentado de 11 de setembro contra as duas torres do World Trade Center consolidou definitivamente essa necessidade: de agora em diante, a privacidade é apenas um conceito bipolar: lícito para o Estado, suspeito para o cidadão.



(Ilustração: Eastern State Penitentiary, aerial crop)






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